segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Os melhores filmes de 2009


20 >> O Visitante (The Visitor)
Thomas McCarthy tem apenas dois filmes no currículo; os dois são tão bons que já estou ansioso pelo próximo. Tanto O Agente da Estação quanto este O Visitante são daqueles filmes pequenos, escorados em atores talentosos e quase desconhecidos. O eterno coadjuvante Richard Jenkins ("Ele está me possuindo, Clyde!"; viva As Bruxas de Eastwick!) finalmente foi reconhecido pela atuação como o professor solitário que acaba se envolvendo com um casal de imigrantes ilegais. Trabalhando com uma série de "grandes temas" - solidão na meia-idade, a surpresa de descobrir uma motivação em meio a uma vida vazia -, McCarthy nunca cai no melodrama nem no lugar comum. E aquele tambor tocado furiosamente por Jenkins no final é uma das melhores representações da raiva diante das injustiças da vida.


19 >> Foi Apenas um Sonho (Revolutionary Road)
É muito irônico, e divertido, ver que o projeto que reuniu Leo & Kate é um estudo sobre um casal se desintegrando - isso porque eu amo Titanic! "Divertido" só na teoria, já que Foi Apenas um Sonho não tem nada de divertido. Mesmo as saraivadas de verdades disparadas pelo vizinho perturbado (Michael Shannon), a princípio engraçadas, acabam atingindo lá no fundo justamente porque são verdades. Tanto DiCaprio quanto Winslet se entregam de corpo e alma aos seus papéis; dói ver a total incompatibilidade entre o otimismo de Frank e a frustração de April. O filme faz sucesso porque tem os dois pés fincados na vida real - mas não é devastador ver os planos de uma vida nova ficarem cada vez mais distantes? Beleza Americana my arse: agora sim Sam Mendes pode dizer que realizou um grande filme.


18 >> Dúvida (Doubt)
Teatrão filmado? Com certeza. Mas isso não necessariamente significa uma crítica. Quando um filme oferece não duas, nem três, mas quatro atuações de tirar o fôlego, do que reclamar? Tá, eu não gosto da última fala dita por Meryl Streep; acho que enfraquece o personagem e busca a simpatia do espectador no último segundo. Mas este é um caso raro: Meryl nem é dona da melhor atuação do filme! Temos Viola Davis e sua única cena - mesmerizante, inesquecível. Temos Philip Seymour Hoffman, um exemplo de reserva; é admirável como, nos duelos de acusações com Meryl, ele não plante a mão na cara da Irmã Aloysius. E temos Amy Adams, na minha opinião dona do personagem mais difícil. Ela é o elo com a platéia, dividida sobre em quem acreditar. É muito mais do que chorar e tremer: é uma vida inteira de convicções que pode mudar ali mesmo. Material fortíssimo, e Dúvida é um filme forte.


17 >> Arrasta-me Para o Inferno (Drag Me to Hell)
Oi, Sam Raimi! Como eu adoro Homem-Aranha 3, nem vou dizer que Arrasta-me Para o Inferno é um retorno à boa forma, ok? Mas não dá pra negar que é uma delícia ver o diretor mostrando que, além de Wes Craven, ninguém mistura terror e comédia tão bem quanto ele. E o melhor: mesmo o humor é especialmente dedicado aos fãs de filmes de terror, já que envolve substâncias gosmentas, olhos na comida e o assassinato de um inocente gatinho. A fofa Alison Lohman está hilária (as caras dela na sequência do jantar em família são impagáveis) e come o pão que Lamia amassou - há muito tempo uma personagem não tinha tantas mechas de cabelo arrancadas! Raimi sabe exatamente o que faz: as cenas de terror realmente dão medo, e geralmente com os recursos mais simples e baratos. Esse é o filme perfeito pra juntar os amigos e fazer uma sessão memorável em casa.


16 >> Harry Potter e o Enigma do Príncipe Mestiço (Harry Potter and the Half-Blood Prince)
Um pensamento recorrente que me vem à mente durante os últimos filmes da série Harry Potter: "Caramba, tem tanto personagem bom, tanta coisa acontecendo, não quero que esse filme acabe nunca!" E não me refiro somente aos truques de mágica, às cenas de perseguição, aos seres fantásticos de Hogwarts. Neste novo Harry Potter, os adolescentes estão todos com fogo no rabo - e além dos inevitáveis momentos de comédia, temos aquelas dolorosas decepções: amores não-correspondidos, inseguranças. E Emma Watson, principalmente, está se tornando rainha dos pequenos-grandes-momentos da série (a cena em que ela senta na escada com Harry partiu meu coração). Claro, ninguém vai ver os filmes da série esperando um drama adolescente; as sequências de ação continuam excelentes - como destaque para a perseguição no meio do mato. Mal posso esperar pelo fim da saga.


15 >> Star Trek
Meu pai é um trekker. Provavelmente por isso, mesmo sem acompanhar a série, sempre tive muita simpatia pelos Star Treks (sem contar que Primeiro Contato é um filme fudido de bom). Então vem J.J. Abrams com o desafio hercúleo de reinventar a série pra toda uma geração CGI. E o danado conseguiu! A começar pela escolha do elenco: Chris Pine e Zachary Quinto não poderiam ser melhores Kirk e Spock; Zoe Saldana, pré-Avatar, responde por alguns dos momentos mais carinhosos da trama; e Anton Yelchin está hilário como Chekov. Star Trek é o perfeito blockbuster com coração: pra cada cena de ação magnífica (a perseguição no meio da neve; a queda livre em direção à plataforma) há uma cena realmente emocionante (Uhura consolando Spock após a morte dos pais dele). Isso porque eu nem comentei do tanto de gente bonita no filme; estou tentando ser menos fútil, sabe.


14 >> Atividade Paranormal (Paranormal Activity)
OS 11 mil dólares mais bem gastos da história do cinema? Provavelmente. Atividade Paranormal me deu os melhores (e maiores) sustos de 2009, além de criar uma tensão absurda com quase nada. É filme pra ser visto no cinema - os pulos na cadeira não vão ser tão altos se forem em casa. Ou talvez sejam (eu é que sou old school e acho que todo filme de terror é melhor na tela grande). O pobre Micah - cético como eu - não podia imaginar o que estava por vir ao decidir instalar uma câmera pra registrar a atividade do título. E Katie é mais do que "pobre"; dá pra imaginar como é passar por essas experiências praticamente a vida inteira? A ideia do diretor Oren Peli é tão básica que dá raiva. Mas o filme não seria nada se não houvesse um verdadeiro talento orquestrando os sustos. Cada barulho, cada rangido de porta, cada grito no escuro vem na hora certa. E aquele final? AI!


13 >> O Leitor (The Reader)
Talvez O Leitor seja o filme com mais defeitos nesta lista. A música é intrusiva, praticamente todas as cenas com Ralph Fiennes são meio sem graça, o final é uma bobagem. Mas quem assiste o filme se vê diante de uma força da natureza, um assombro, uma atuação realmente sem limites. Kate Winslet, dona da carreira mais interessante dos últimos 15 anos, não pede em nenhum momento a simpatia do espectador. Sua Hanna Schmitz é tacanha, meio grossa, não tem modos muito bons. Mas é uma criação tão palpável, tão forte, que eventuais defeitos da personagem deixam de ser defeitos e se tornam características. Quando Hanna chora enquanto assiste a um coral, ela não chora simplesmente: todo o resto de uma armadura desaba ali, aos olhos do espectador. Difícil dizer se é a melhor atuação de Kate. Mas com certeza é uma das melhores da década. O que só mostra como a atriz já se tornou uma verdadeira entidade do cinema.


12 >> Há Tanto Tempo Que te Amo (Il y a longtemps que je t’aime)
Eu deveria não escrever nada sobre esse filme, e simplesmente dizer a todos que assistam a cena em que Juliette (Kristin Scott-Thomas) diz a um empregador o motivo pelo qual ela passou 15 anos presa. Ela não faz drama, ela não é fria. Ela diz o motivo de modo relativamente calmo, mas está lá nos olhos dela: a reação esperada do empregador. A reação de sempre. A revolta. Kristin, atuando em francês, tem uma daquelas raras atuações sem 1% de gordura, sem grandes gestos. E se o filme pode decepcionar algumas pessoas com uma espécie de "reviravolta" no final, dá quase um alívio ver Juliette se desnudando, expiando culpa, expondo sua tristeza infinita. Acompanhada por uma Elsa Zylberstein impecável, Kristin carrega toda a personagem nos olhos cansados. Este é um filme que poderia ser um convite à depressão. Mas é tudo tão honesto que o resultado é muito mais impactante do que uma "mera" tristeza.


11 >> Coraline e o Mundo Secreto (Coraline)
Eu me considero uma pessoa de muita sorte por ter visto Coraline no cinema, em 3D, como ele deve ser visto. E vi duas vezes! Não poderia ter pedido por uma introdução melhor à nova geração do 3D - um subtítulo mais adequado para o filme seria "O Mundo Mágico". Túneis coloridíssimos surgem do nada, um teatro recebe uma platéia de cachorros, ratos de circo apresentam um espetáculo maravilhoso (talvez a cena que mais tenha me deixado feliz em 2009). Na verdade eu nunca fui tão criança este ano do que quando assisti Coraline; eu ria de felicidade pura. Se o filme suaviza várias partes do livro de Neil Gaiman, nem por isso trata-se de um filme "fofo": afinal, não há nada de fofura em um mundo paralelo onde as pessoas têm botões costurados no lugar dos olhos! Coraline é divertido, tenso e acelerado, como qualquer bom filme de aventura. Ou melhor, como os GRANDES filmes de aventura.


10 >> Entre os Muros da Escola (Entre Les Murs)
Tudo que o mundo precisa é de mais um filme na linha Ao Mestre com Carinho. De Edward James Olmos a Michelle Pfeiffer (passando por Lauryn Hill), praticamente todo mundo já deu as caras em um filme assim. Entre os Muros da Escola pega todos esses filmes e dá uma sova de verdade neles. Não tem nada de professor-bonzinho-como-um-anjo, nem alunos-que-aprendem-uma-grande-lição no fim. O professor François, na verdade, comete talvez o pecado mais comum entre os professores, e também o mais humano: ele se acha melhor que os alunos. Já os alunos têm aquela velha postura de achar que a escola não serve pra nada. Professor e alunos tentam, mas não se entendem. Poderia ser um documentário. Não há nenhuma lição a ser aprendida no fim. Há uma aluna que diz ao professor: "Não aprendi nada este ano". É de cortar o coração. Entre os Muros da Escola acontece todo dia, infelizmente.


09 >> Avatar
Pena das pessoas que não tiveram a chance de assistir Avatar num grandioso 3D de tela de cinema. Essa é a resposta filha-da-puta de James Cameron a todo mundo que acha que ir ao cinema já era, que todo filme pode ser baixado e apreciado em casa da mesma forma. Essa é a resposta filha-da-puta a quem achava que James Cameron nunca poderia se recuperar do sucesso planetário de Titanic. E essa também é uma declaração de amor de James Cameron ao cinema. À tecnologia. E à natureza, principalmente. É O Novo Mundo com um orçamento milionário, mas com o mesmo respeito à natureza. É um conceito praticamente impossível: o filme mais caro da história é também um filme que crê cegamente na inocência, e na pureza. Quando Neytiri diz, após a morte de um animal, "Isso é apenas triste. Não há o que agradecer", é ousadia pura, em pleno 2009. E James Cameron segue como o maior dos visionários dentre os diretores de ação.


08 >> 500 Dias Com Ela (500 Days of Summer)
500 Dias Com Ela pode até parecer uma espécie de "anti-comédia romântica", mas não é. Não é porque Summer (Zooey Deschanel) não acredita no amor que o filme vai na onda dela. 500 Dias é muito mais Tom (Joseph Gordon-Levitt) do que Summer; oras, até um número musical o filme tem! Só que o diferencial desta obra pra 99% das outras comédias românticas é que aqui, quando o casal briga, não é faltando 15 minutos para o fim do filme, e não há aquela certeza de que eles vão voltar a ficar juntos. Aqui são ditas verdades dolorosas. Aqui, a realidade destrói as expectativas (numa sequência das mais geniais, e das mais devastadoras). E aqui, para alegria dos românticos como eu, há a esperança de um futuro melhor. Mais uma vez destruindo a quase totalidade das comédias românticas, em 500 Dias Com Ela a idealização de uma pessoa é posta por terra. Sempre vem alguém depois. A gente sofre, mas tudo passa.


07 >> Amantes (Two Lovers)
Amantes me deu uma tremenda lição de humildade. Não o filme em si, mas as pessoas que eu conheço que assistiram. Após ver o filme, fui tomado por pensamentos pretensiosos do tipo "Poucas pessoas vão gostar desse filme como eu; é um filme muito peculiar". Quanta bobagem. Foi tanta gente me dizendo que tinha amado, que eu deixei de lado esses pensamentos. É um filme mais universal do que eu pensava. E ainda assim, o diretor James Gray constrói tudo de um modo bastante... pessoal. No filme anterior, Os Donos da Noite, Gray já inovava ao colocar uma história de amor totalmente crível no meio de duelos entre policiais e criminosos. Aqui ele continua trilhando uma carreira interessantíssima, fazendo filmes aparentemente sem grandes novidades. Temos um solitário (Joaquin Phoenix, a perfeição) e duas mulheres, ponto. Precisa mais? Não, quando se tem tamanha honestidade emocional como a registrada neste Amantes.


06 >> Up
O rato cozinheiro em 2007. O robô apaixonado em 2008. O velho com a casa de balões em 2009. A Pixar é como um relógio suíço: a cada ano, cria uma obra-prima do cinema. Up, mais leve e menos ousado que Wall-E, é todo aventura e diversão. Aliás, nem todo: os dez minutos iniciais (talvez os 10 minutos iniciais mais comentados do ano) passam do sublime ao tristíssimo - isso sem o uso de uma única palavra. Para o bem dos nossos corações, a partir daí o filme fica leve, delicioso, com a ajuda dos coadjuvantes mais fofos do ano. O garotinho Russell é uma das poucas crianças hiperativas do cinema realmente adoráveis; já Dug, o cão fiel, merece muito mais adjetivos do que simplesmente "adorável". E o que dizer de Alpha e sua voz... poderosa? A primeira fala dele equivale ao momento mais engraçado de todo o ano. É um grandíssimo elogio a Up o fato de que nem 1% da diversão se deve ao 3D. Que, por sinal, é magnífico.


05 >> Sinédoque, Nova York (Synechdoche, New York)
Eu queria muito saber com o que Charlie Kaufman sonha. Como é possível que alguém tenha uma imaginação tão insana, e ao mesmo tempo tão conectada a verdades universais do ser humano? Sinédoque, Nova York parece uma grande viagem (e é), mas também é um dos filmes mais dolorosos que vi em 2009. A odisséia de Caden Cotard (ainda estou pra ver Philip Seymour Hoffman em uma atuação abaixo do impecável) me levou a pensar sobre a solidão. Sobre o papel de cada um na vida de quem está em volta. Sobre - e isso é algo em que eu realmente acredito - como cada pessoa do mundo tem sempre algo interessante, pois cada pessoa é um mundo a ser descoberto. Pode ser que Sinédoque, Nova York tenha nascido da ansiedade de Kaufman pós-Brilho Eterno de uma Mente sem Lambranças: tanto Caden quanto Kaufman são reconhecidos por um prêmio importante (no caso de Kaufman, o Oscar) e precisam comprovar seu talento. Kaufman, o diretor, é tão talentoso quanto o roteirista. Isso é fato.


04 >> O Lutador (The Wrestler)
Onde Darren Aronofsky, o virtuoso por trás de Réquiem para um Sonho e Fonte da Vida deixa as pirotecnias de lado e põe foco nas emoções. Não que registrar emoções seja novidade na carreira do diretor; mas nunca antes ele havia realizado uma obra tão intimista. O Lutador é aquela velha história de "astro em decadência tenta dar a volta por cima" (e se essa premissa te dá arrepios, basta ver como o filme deturpa expectativas, principalmente nos 15 minutos finais). Claro, a grande história por trás do filme é o grande retorno de Mickey Rourke, e ele justifica todo o auê, todos os prêmios. Seu Randy não é um cara orgulhoso o suficiente pra não se desculpar, nem se humilha pra agradar os outros. O "problema" de Randy é que ele desaprendeu a lidar com a vida fora do ringue. Quando ele tenta reatar com a filha, o resultado é de cortar o coração. Por isso o final, que pode parecer a coisa mais triste do mundo, de certa forma é feliz. Ali temos um homem realizado, na medida do que a vida deixou.


03 >> O Casamento de Rachel (Rachel Getting Married)
Esse foi o ano das irmãs em conflito? Tivemos duas duplas magníficas em 2009: uma em Há Tanto Tempo que te Amo, e as irmãs Rachel e Kym neste filme. Olha meu tema favorito aparecendo: família em conflito! Viva! Muita briga, muitas lágrimas, eventuais tapas na cara. O que coloca O Casamento de Rachel acima dos outros filmes com o mesmo tema é o tom documental que o diretor Jonathan Demme escolheu para contar a história. Parece um casamento de verdade, com discursos intermináveis, momentos embaraçosos e até mesmo uns bons 15 minutos só de música e gente dançando. O roteiro de Jenny Lumet é extremamente corajoso ao colocar a "rehabbed" Kym longe de ser um exemplo de humildade. Egoísta e imatura, ela insiste em ser o centro das atenções até mesmo durante o casamento da irmã. Anne Hathaway está um assombro. Assim como Rosemarie deWitt, perfeita como Rachel, que não aceita desaforos da irmã. No fim, nada se resolve muito. Mas a vida não se resolve em um casamento.


02 >> A Garota Ideal (Lars and the Real Girl)
Demorou dois anos para Lars e a "garota ideal" chegarem aos cinemas brasileiros. Mas eles chegaram, e me conquistaram pra sempre. Antes de eu ver um filme, um amigo me disse que esse filme era a minha cara. Ele disse: "O filme tem um senso de comunidade que você gosta". Depois que eu vi, entendi. Caramba, é um filme onde um cara começa a namorar uma boneca inflável. E toda a cidade, em vez de zombar dele ou mandar interná-lo, decide entrar na onda e aceitar o relacionamento. É ficção científica! E é um filme descaradamente otimista, que acredita na bondade do ser humano, na vontade de ajudar o próximo. O modo como Bianca (a boneca) é aceita pela comunidade me emocionou o tempo todo. Lars, Bianca e os amigos dançam ao som de "This Must Be The Place", do Talking Heads; nunca essa música foi tão bonita. Ryan Gosling é 100% comprometimento com Lars. E o filme é 100% comprometimento com sua proposta absurda. Absurda, magnífica, sensacional, apaixonante. Eu amo esse filme.


01 >> Distrito 9 (District 9)
Enquanto eu assistia esse filme, o pensamento dominante era: "Putz, que filme mais original!" Convenhamos: a ideia de colocar aliens segregados na África do Sul é coisa de gênio. Mas Distrito 9 é muito mais. O filme consegue a proeza de fazer com que o espectador se identifique com os aliens sujos, maltrapilhos e desprezados. Isso por meio de um protagonista dos mais sem graça, o "bom empregado" Wikus. Até certo momento do filme, nem suspeitava que ele fosse se tornar o protagonista do filme - ponto para o diretor e roteirista Neill Blomkamp, que me pegou de surpresa. Os rumos que Distrito 9 toma, por sinal, são surpreendentes (o que desagradou várias pessoas que eu conheço). No meu caso, fiquei grudado na poltrona o tempo todo. Seja enquanto posa de documentário, seja quando passa para o clima de "experiência de laboratório", seja quando descamba para cinema de ação, Distrito 9 nunca perde o rumo. Pode-se dizer que são vários filmes dentro de um, todos igualmente impactantes. E quando eu já estava achando que, pela primeira vez, um filme que eu elejo como "o melhor do ano", não vai me fazer chorar, chegam os três minutos finais e me deixam arrasado. Aquela cena final, sem uma palavra, nunca vai sair da minha cabeça. Aquele olhar final para a câmera já entrou pra minha história.

quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Os melhores discos de 2009

2009 me pareceu mais um ano de grandes singles do que de grandes álbuns. Sinal dos tempos? Sei que foi um ano com dezenas de músicas brilhantes (principalmente no pop), mas poucos discos consistentes do início ao fim. De qualquer forma, os dez listados aí embaixo grudaram nos meus ouvidos durante todo o ano.

(Quase fizeram parte dessa lista: Annie e seu Don't Stop; Manners do Passion Pit; In Love & War da Amerie.)



#10 >> Far, Regina Spektor
Regina Spektor parece estar trilhando o perigoso caminho seguido por Tori Amos: após discos excelentes, que primavam pelo não-convencional, seguem-se discos cada vez mais pop, até a irrelevância quase total (no caso de Tori). Uma boa parcela dos fãs torceu o nariz para os sons mais convencionais deste Far, mas a estranheza da cantora ainda está intocável nas letras. Já na faixa de abertura, ela pega o clichê de dois amantes com "corações de pedra" e o transforma numa canção de amor original, ao dizer que "saíram faíscas de tanto bater os corações um no outro". E continuam presentes nas canções de Regina aqueles momentos universais mas quase nunca cantados em música, como no primeiro verso de Eet: "It's like forgetting the words to your favorite song". E ainda tem Dance Anthem of the 80's, a música mais feliz, que me provocou mais êxtase, mais alegria, mais tudo em 2009. A canção do ano.
ouça >> Eet, Folding Chair, Laughing With, Dance Anthem of the 80's
melhor momento >> Em Dance Anthem of the 80's: "It's been a long time since before I been touched; now I'm getting touched all the time. And it's only a matter of whom, and it's only a matter of when". É luxúria, é esperança, é amor, é tudo junto nesses versos


#09 >> Whisper House, Duncan Sheik
Era de se esperar que, após o sucesso do musical Spring Awakening (com músicas compostas por ele), vencedor do Tony e aclamado pela crítica, o próximo disco de Duncan Sheik fosse recebido com expectativa. Aparentemente não foi o caso: Whisper House passou quase em branco. É uma pena, já que essa coleção de canções (supostamente a base para um novo musical escrito por Duncan) mostram, mais uma vez, que Mr. Sheik é um dos melhores no seu campo. A participação da vocalista Holly Brook em quase todas as canções dá um clima de narrativa ao disco, como se os dois estivessem contando uma história ao ouvinte. As duas vozes formam um belo casamento, nunca dramatizando em excesso as letras (que, em sua maioria, falam de fantasmas). Quando Holly surge na animada We're Here to Tell You, é como se ela fosse a voz da serenidade se contrapondo à voz urgente de Duncan. Whisper House é cheio de grandes momentos como esse, de uma grande colaboração.
ouça >> It's Better to be Dead, We're Here to Tell You, And Now We Sing, Take a Bow
melhor momento >> A guitarra com efeitos de We're Here to Tell You, que dá um belo ar "old school" à música


#08 >> Veckatimest, Grizzly Bear
Falar de uma banda como o Grizzly Bear, pra mim, é muito difícil. Essa é uma daquelas bandas adoradas nas rodas de indie rock, idolatradas. E eu nunca tive muita vontade de ouvi-los. Mas os elogios a Veckatimest foram tantos que me bateu a curiosidade. Sorte a minha, já que é um disco sensacional. Mas qual a propriedade que eu tenho pra falar deles? Nenhuma. Só posso dizer que, desde o refrão da primeira música, Southern Point, a turma de Ed Droste me pegou de jeito. O clima épico e ao mesmo tempo intimista das canções têm um apelo irresistível (e o melhor exemplo talvez seja a já citada faixa de abertura). Como não cair de amores pelo tecladinho e as vozes em uníssono do início de Two Weeks? E o refrão grandioso de All We Ask? Demorou, mas eu me rendi completamente ao Grizzly Bear. Melhor que seja tarde do que continuar no escuro.
ouça >> Southern Point, All We Ask, Two Weeks, Cheerleader
melhor momento >> As palminhas de Cheerleader, absolutamente irresistíveis


#07 >> Declaration of Dependence, Kings of Convenience
Eis uma banda que não se envergonha em fazer mais do mesmo. Declaration of Dependence não vai angariar nenhum novo fã pra banda; mas isso é necessariamente um problema? O caso é que eles continuam fazendo o que sabem fazer de melhor: canções simples, voz-e-violão, com harmonias vocais incríveis e letras mais incisivas do que a música aparentemente "fofa" pode sugerir. "Explique-me mais uma vez: quando eles matam é crime, e quando você mata é justiça?", dispara a dupla ao final da magnífica Rule My World. Declaration of Dependence é cheio dessas disparidades agridoces: um violão acaricia uma letra acusadora, uma mão constrói um castelo enquanto a outra mão destrói outro. Um hiato de cinco anos separa este disco do anterior, Riot on an Empty Street; a dupla de branquelos da Noruega fez falta na música.
ouça >> Me in You, Rule My World, Peacetime Resistance, Riot on an Empty Street
melhor momento >> Como escolher entre os violões do início de Me in You e de Rule My World?


#06 >> Break Up, Pete Yorn & Scarlett Johansson
Nunca acompanhei a carreira do Pete Yorn (apesar de adorar For Nancy, do primeiro disco dele), e acho o disco anterior da Scarlett Johansson quase inaudível em algumas partes. Mas eis que os dois se juntaram, deixaram as pretensões de lado e realizaram um disquinho simples, curto (9 canções) e grudentíssimo - daqueles de acabar e começar a ouvir tudo de novo. Mesmo que Break Up seja muito mais Pete do que Scarlett - em algumas canções, ela se limita a fazer backing vocals -, a junção dos dois consegue atingir o objetivo do projeto: realizar uma espécie de "atualização" do disco conceitual sobre dois amantes no processo de fim de relacionamento. Tudo bem que a parte final do disco é bastante melancólica, mas a dupla também nos brinda com pérolas pop como Relator e Search Your Heart. É o disco perfeito pra uma viagem com amigos: todo mundo animado no início, todo mundo mais pensativo e calmo ao final.
ouça >> Search Your Heart, Blackie's Dead, Shampoo, Someday
melhor momento >> Scarlett cantando "Don't blame me for your troubles, ooh ooh ooh" em Search Your Heart (e derretendo corações de qualquer ser humano vivo)


#05 >> It's Blitz!, Yeah Yeah Yeahs
O Yeah Yeah Yeahs mudou. Não sei se pra melhor ou pra pior; pra mim, eles continuam tão bons quanto sempre foram. Mas as guitarras insanas cederam espaço para teclados (também insanos); Karen O. aquietou um pouco (ainda bem que foi só um pouco) e está cantando de modo mais emocionado do que nunca - Skeletons, comovente, é o fim do relacionamento da clássica Maps. No fim das contas, It's Blitz! calou a boca de quem achava que a banda ia ficar mais domesticada, e ganhou novos fãs com sua inédita sofisticação musical ("sofisticação" é uma palavra meio fresca para um disco como esse, na verdade). Os hinos pra pista continuam perfeitos, como comprovam Zero e Heads Will Roll; e se eu acho que Hysteric poderia ter um pouco mais de peso, bom, o mundo inteiro discorda. Com este terceiro disco, o Yeah Yeah Yeahs prova ser a banda mais consistente do indie rock.
ouça >> Zero, Heads Will Roll, Soft Shock, Skeletons
melhor momento >> "Skeleton, me" - e as lágrimas surgem...


#04 >> Music for Men, The Gossip
Que delícia esse disco! Dá vontade de parar de escrever aqui mesmo. Music for Men é isso: uma delícia. Sucessão de músicas boas, pop, divertidas e grudentas. É o balanço perfeito entre o espírito punk do grupo e uma pegada mais "mainstream" que o sucesso acaba trazendo. Beth Ditto continua cantando que é uma barbaridade, e os agudos invejáveis estão todos lá; mas a banda soa ainda mais afiada, coesa, destruindo com riffs de guitarra brilhantes e ótimas viradas de bateria (For Keeps é uma proeza de construção de música: um baixo foderoso aqui, depois um riff simples, uma bateria, e pow!). As letras são perfeitas para os freaks em geral citarem e se divertirem nas conversas com os amigos: "This is the last time I love and let love!", "Love is a four letter word that should never be heard!" E, ainda assim, Beth soa confiante o tempo todo.
ouça >> Love Long Distance, Vertical Rhythm, For Keeps, Four Letter Word
melhor momento >> A guitarrinha de Vertical Rhythm: sei lá por que motivo, mas sempre me lembra corridas de Fórmula 1


#03 >> Cover, Joan as Police Woman
Este terceiro disco de Joan Wasser, somente de covers (duh), foi vendido apenas nos shows da cantora durante este ano. O fato de eu simplesmente amar um projeto tão pequeno comprova que 1) Joan é, pra mim, a melhor artista que surgiu nesta década e 2) Tudo que ela faz, ela faz muito bem. Cover vai de Britney Spears a Sonic Youth, passando por T.I. e Jimi Hendrix. O que esperar de um disco assim? Uma mistura de galhofa (em relação a Britney, por exemplo) e veneração (ao cantar uma canção de David Bowie). Nem um, nem outro: este é um disco absolutamente peculiar - começando pela capa sensacional. Sacred Trickster, do Sonic Youth, é diversão pura baseada somente em palmas e bumbo (que ousadia tirar a marca registrada do Sonic, as guitarras!); já Overprotected, da princesinha louca do pop, tem um clima de respeito aos sentimentos adolescentes da letra sem ser ridiculamente séria. Cover soa familiar, estranho e único, assim como as composições próprias de Joan.
ouça >> Overprotected, Whatever You Like, She Watch Channel Zero, Sacred Trickster
melhor momento >> O arranjo "minimalista" de Sacred Trickster consegue ser ainda melhor que as guitarras de Thurston Moore e Kim Gordon


#02 >> Vagarosa, Céu
Mesmo com muitos elogios, nunca tinha dado muita bola para o primeiro disco da Céu. Mas desde o momento em que ouvi pela primeira vez esse Vagarosa, nossa! Que disquinho sensacional! Passando longe das amarras da MPB - e muito além do gênero "cantoras-compositoras brasileiras" -, Céu sai do Brasil e vai até a Jamaica, enchendo suas canções de reggae e dub, criando um clima absurdamente sensual. A banda que acompanha a cantora é um primor; nada parece fora do lugar. E os detalhes não apenas se acumulam, eles enriquecem as canções. É o teclado "sinistro" de Cangote, é a introdução Portisheadiana de Nascente, é o vocal dividido entre três cantoras em Bubuia. Esse é um disco pra relaxar sozinho, e também é um disco pra se ouvir durante o sexo. E prova que música boa é mesmo universal: que o dia meu amigo escocês que ficou apaixonado pelas canções de Céu!
ouça >> Cangote, Bubuia, Nascente, Grains de Beauté
melhor momento >> Quando Céu canta, logo no início da canção: "Fiz minha casa no teu, can-gooote!", com pausas orgásmicas


#01 >> XX, The xx
Custei a achar uma forma de descrever o som do The xx. Lendo um site inglês, encontrei uma definição foda: é o Portishead disfarçado de banda indie rock. Na verdade toda definição limitaria demais o som da banda. XX é todo cheio de silêncios, canções construídas com o mínimo de elementos, 11 músicas feitas para se ouvir no escuro - sozinho ou acompanhado. Num ano cheio de bons discos de duetos vocais, os jovens Romy Madley Croft e Oliver Sim dialogam como amantes-contra-o-mundo, dizendo "I think we're superstars" de uma forma tão despretensiosa que é um assombro. As letras da banda são simples mas certeiras - basta conferir a maneira como os amantes declaram seu amor mútuo em Islands: "I am yours now, so now I don't ever have to leave". Já em Heart Skipped a Beat, o relacionamento já chegou ao fim, e em uma frase básica os (ex)namorados se desnudam: "Sometimes I still need you". XX, dentro de suas modestas pretensões, soa único como Funeral do Arcade Fire; o que une as duas bandas, na verdade, é um total comprometimento com a honestidade emocional.
ouça >> VCR, Crystalised, Islands, Heart Skipped a Beat
melhor momento >> Em Islands, Oliver Sim canta: "That bridge is on fiiiiiiire". Heaven, I'm in heaven

domingo, 20 de dezembro de 2009

2009 em cinco clipes


3 Words, Cheryl Cole
(direção: Vincent Haycock)


Telas partidas à la Brian dePalma + influência de Lady GaGa + trucão do plano-sequência = MEGA WIN. (claro, o fato de a música ser uma das melhores coisas pop do ano não atrapalha em nada)


Strawberry Swing, Coldplay
(direção: Shynola)


The stuff dreams are made of. Não vi nada mais bonito em matéria de clipes em 2009.


Wrong, Depeche Mode
(direção: Patrick Daughters)


Patrick Daughters, o senhor tem uma mente doentia. Continue assim.


Longing for Lullabies, Kleerup
(direção: X)


It's a sad sad world. :-(


Zero, Yeah Yeah Yeahs
(direção: Barney Clay)


A metáfora "o mundo é um palco" deixando de ser metáfora. Delícia sair dançando assim pela rua, em cima dos carros, pelas calçadas. No meu mundo perfeito isso seria rotina.

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

À Prova de Morte (Death Proof, 2007)

Trecho de um email que mandei para um amigo sobre o filme. Ele já tinha visto, e amado. Ah, se você não viu o filme, melhor não ler se não quiser estragar as surpresas:



"Por onde começar? Pode ser que seja mesmo o melhor filme do Tarantino. E isso é incrível, já que é o filme menos ambicioso dele, e o mais mal-falado. Mas é que me deu a impressão de que este é o filme que o Tarantino sempre quis fazer: um filmão B. Só que, ao contrário do "Planeta Terror" (que eu não gosto tanto quanto achei que gostaria), o Tarantino coloca comédia mas, ao mesmo tempo, faz você se importar com os personagens. Sei que são filmes totalmente diferentes, "Planeta Terror" é trasheira pura, mas pra mim fica muito claro quem é o diretor mais talentoso.

Fiquei MUITO tenso com as duas perseguições - a primeira é absurda, chocante, aquela coisa de mostrar a cena repetidas vezes, cada vez mostrando a morte de uma com detalhes. Foi uma das cenas de acidente mais chocantes que já vi, na verdade (isso porque eu já estava em choque com a morte da Rose McGowan, aquilo é muito violento). Fiquei MUITO triste com a morte da "Butterfly" - a roda passando na cara dela é uma cena que eu nunca mais vou esquecer, tipo o Edward Norton pisando na cabeça do negro em "A Outra História Americana".
E a segunda perseguição, o que é aquilo? Como assim você não me avisou que era um filme de terror?? Fiquei desesperado com a Zoe Bell lá no capô do carro, pelo amor de Deus! Meu coração estava na boca. Melhor sequência da carreira do Tarantino? Tem uma chance boa, viu. Rivaliza com as melhores lutas do Kill Bill.

Ainda bem que depois fica maravilhosamente engraçado, com as meninas perseguindo o Stuntman Mike. O que é aquele final?? Quando a Zoe Bell deu o chute final nele, ele caiu e apareceu "The End" na tela, todo mundo bateu palma!! E quando apareceu a Rosario Dawson dando o verdadeiro chute final, um amigo disse a definição perfeita: FATALITY! Amei.

Isso sem contar a cena de lap dancing. É magnífica mesmo. Sensacional. Não acreditei quando li que, no "Grindhouse" original, ela não aparece - é um "missing reel". Que bom que pude ver essa versão estendida, aquilo é muito bom! Aquela menina é esquisita mas é sexy pra caralho."

sábado, 3 de outubro de 2009

Jogando com Prazer (Spread)



Seja honesto: se você foi ver ou está pensando em ver Jogando com Prazer, é bem provável que esteja afim de conferir os atributos físicos do molecão Ashton Kutcher. Eu mesmo só animei de ver o filme depois que me disseram que o derrière do ator merecia ser apreciado na tela grande. Pois então, aos curiosos de plantão, eu digo: nesse quesito, Kutcher não decepciona. Fica boa parte do filme sem camisa, e ainda exibe mais em várias cenas de sexo. Como diria O Rappa, valeu a pena. Ê, ê.

O filme em si não é ruim. É óbvio o envolvimento de Kutcher também como produtor executivo: seu personagem, Nikki (oi?), passeia modelitos metrossexuais - alguns bem duvidosos, na minha opinião - enquanto joga charme pra todas as mulheres que encontra e come a maioria delas. Claro, com o decorrer da história ele vai aprender algumas lições e descobrir que a beleza não pode tudo. Mas não vai ser nada de cortar o coração. O filme é leve e esquecível, um suflezão de Kutcher que entretém durante uma hora e 40. Mas só.

Nikki parece ser uma versão exagerada daquilo que Kutcher parece ser: um garotão lindo e imaturo. Quando o personagem diz, logo no início do filme, "Eu sou irresistível. Fato.", é de gargalhar porque eu imagino que o próprio ator se sinta assim. Não sou eu que vou criticá-lo; se eu fosse bonito como ele talvez fosse fútil também. Sei lá. Mas, ao ver o Sr. Demi Moore andando pra lá e pra cá de lindos suspensórios e jeans com a barra dobrada, fiquei pensando na diferença entre alguém atraente e alguém sexy de verdade. Kutcher tem a aparência, tem o corpo sensacional, tem o beicinho e a cara de quem quer colo. Mas ele não é um sedutor. Ele não tem um
charme verdadeiro. Ele pode te fazer derreter numa primeira transa, mas não vai te dar vontade de tomar café da manhã com ele. É um exemplar plasticamente magnífico do velho fuck and run. Mesmo tendo mais de um milhão de seguidores no Twitter.

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Não são só memórias



Ouvindo esse disco da Elba Ramalho, Coração Brasileiro, tantas memórias da minha infância retornam. Memórias do vinil, de virar o lado do disco. De olhar a contracapa e me divertir com as várias Elbas (precursora de Strange Little Girls, da Tori Amos, como eu costumava brincar com um amigo). Ficar emocionado com a "Canção da Despedida". Ficar feliz porque ela cantava "Ai que saudade de ocê", em vez de "você". E memórias de como eu achava intrigante que a faixa que dava nome ao álbum tinha somente 15 segundos!

Meu pai uma vez me disse que, por mais que a gente mude com o passar dos anos, aquilo de que gostávamos na infância vai estar sempre lá, num lugar reservado e particular. Intocável. Talvez a gente sinta vergonha, mas quem for honesto consigo mesmo vai sentir uma coisa boa, uma mistura de alegria, melancolia, êxtase. Foi o que eu senti ouvindo esse disco da Elba, que finalmente consegui em CD (obrigado, Anderson).

E quem sabe, às vezes quem ouvir também dê uma choradinha ouvindo os seguintes versos de "Ai Que Saudade De Ocê":

E se quiser recordar
Aquele nosso namoro
Quando eu ia viajar
Você caía no choro
Eu chorando pela estrada
Mas o que eu posso fazer?
Trabalhar é minha sina
Eu gosto mesmo é d'ocê

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Anticristo (Antichrist, 2009)



Ó Lars Von Trier, por onde começar a destrinchar sua mais recente travessura? Porque quem levar Anticristo extremamente a sério provavelmente vai ficar ofendido com o filme. E Von Trier é, antes de tudo, um provocador. Um provocador fodaço e genial, diga-se.

A travessura começa cedo: logo nos primeiros minutos de filme já somos brindados com um close de uma penetração. Totalmente gratuito. Mas o prólogo inteiro, filmado todo em câmera lenta e em magnífico preto-e-branco, é uma brincadeira do diretor. O que ele quer: confundir o público? Ironizar a imagem do sexo perfeito, quente, que derruba coisas pela casa? Eu não tenho a mínima ideia (mas acho que nunca a morte de uma criança foi tão bonita de se ver).

Daí pra frente, o filme tem muito da típica câmera na mão do diretor - e seus cortes ao fim das frases - com alguns momentos de imensa beleza plástica (não à-toa, esses momentos sempre são filmados em câmera lenta). Mesmo que alguns desses momentos envolvam animais com crias natimortas.



Mas chega de falar do visual de Anticristo. Durante dois terços de sua duração, o filme é quase cerebral e quase lento, mostrando as tentativas de recuperação da mulher que se sente culpada pela morte do filho. O marido, que é terapeuta, se incumbe de "curar" a dor da mulher. Para isso, ele a submete a jogos e experiências. Para ele, a mulher só vai superar a experiência ao se submeter ao que sente mais medo. No caso, o medo supremo da mulher é a floresta onde o casal possui uma cabana. Num simbolismo nada sutil, a floresta é chamada Éden.

Os jogos propostos pelo marido carregam bastante de tortura psicológica, lugar-comum nos filmes do diretor. Mas aqui, como o objetivo é muito mais nobre, o espectador tente a "aceitar" as propostas do terapeuta. No entanto, quando a mulher enlouquece e começam as famigeradas cenas de mutilação, dá pra se perguntar: seria essa a revolta da violência física perante a violência psicológica? Seria a revolta da natureza - o caos, o instinto - contra a razão humana?

O diretor trabalha um monte de ideias polêmicas em Anticristo: a natureza é o mal absoluto. O sexo é a raiz do mal. A mulher é um ser essencialmente maligno. Os protestos de que este é um filme misógino não são exagerados. Mas, novamente, quem levar o diretor a sério demais vai se estressar à toa...

"E as cenas de violência explícita? Fala delas! São absurdas mesmo?" Sim, são. Tem coisas em Anticristo que eu nunca tinha visto em filme algum. Há um ato específico que me deixou encolhido na cadeira (pra quem viu: não é nenhum dos atos que envolve órgãos genitais). É necessário ser tudo tão explícito? Lógico que não. Mas lembra o que eu disse no início? Estamos diante de um provocador. Que faz o que quer, na hora em que quer. Somente isso já faz de Von Trier um diretor absolutamente necessário.

(Não sei se Von Trier leu Personas Sexuais, de Camille Paglia, antes de fazer este filme. Mas ele compartilha muitas das ideias da escritora)

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Uma Prova de Amor (My Sister's Keeper, 2009)



A melhor razão pra assistir o DRAMA que é Uma Prova de Amor está bem no meio da foto acima. Que me desculpem Cameron Diaz (que simplesmente não convence muito no papel da mãe obstinada e turrona) e Alec Baldwin (que está ótimo), mas Joan Cusack, quando aparece, coloca todo o elenco no bolso.

Eu não tenho nada contra um bom melodrama, mas aqui o problema é a forçação de barra. Seja nas inúmeras situações e diálogos feitos pra plateia verter lágrimas ("Quando eu for pro céu, como vou te achar?"), seja na trilha sonora praticamente inteira feita de canções de pianinho ou violão, daquelas bem pausadinhas e melancólicas (salva-se "Better" da Regina Spektor e Jimmy Scott, que sempre é foda - ainda mais cantando Talking Heads), o filme quer te fazer chorar MUITO. Só que Nick Cassavetes não é Lars Von Trier, e o resultado é bem mazumeno.

Tudo muda quando Joan Cusack aparece. Na primeira cena dela, a sensação é de estranheza: vivendo uma juíza que perdeu uma filha recentemente, Joan mexe o rosto todo, como se sofresse de meia dúzia de tiques nervosos. Se é atuação ou se é ela mesma, não sei. Mas quando a personagem de Abigail Breslin começa a mexer com algumas fotos da filha, Joan simplesmente congela o rosto. Os olhos ficam completamente negros. Não demora e o brilho das lágrimas é tudo que se mexe no rosto dela. É magnífico de se ver. Isso sim me fez chorar um bocado.

(Tá, pra não ser tão cricri assim com o filme, eu admito outra coisa: Sofia Vassilieva também está excelente como a adolescente com leucemia)

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Up (2009) em tópicos



- O início é mesmo uma tristeza só.
O começo do filme - que eu não vou contar aqui - é praticamente uma unanimidade mundial. Como disse o Box Office Prophets, "Up makes everyone cry". E é isso mesmo. Acho difícil alguém não ficar emocionado com o início absolutamente simples, mas perfeito, do filme. Não há nenhuma tragédia, nem melodrama. Eu até poderia dizer que é "simples como a vida", mas essa frase parece tirada da imaginação de algum publicitário de mau gosto. E desde quando a vida é simples? Enfim. A palavra certa para o início de Up provavelmente é "perfeição". Levem lenços.

- Uma proeza: há uma criança falante e hiperativa, mas que também é adorável.
Não sou o ser mais paciente com crianças, sejam animadas ou reais. Mas o pequeno Russell é um fofo, desde a primeira cena. O fato de ele ser escoteiro só me fez gostar ainda mais dele (eu fui escoteiro por vários anos). Quando ele acha uma ave gigante e decide chamá-la de KEVIN, eu já estava completamente encantado por ele.



- Tá, eu amo cachorros e sou suspeito, mas tem como não ADORAR o Dug?
Dug já surge em cena com uma surpresinha que enche de charme um personagem sensacional (a voz da dublagem é a mesma do Matthew Broderick em "Curtindo a Vida Adoidado", o que só deixa as coisas mais divertidas). Responsável por duas das frases mais fofas do ano - as duas envolvendo "eu te amo" -, Dug ainda tem como "companheiro" um certo cachorro Alfa... que é responsável pelas cenas *mais* engraçadas de 2009. É ver pra chorar de rir. E Alfa é um vilão!

- É o melhor filme da Pixar?
Esse é um dos maiores desafios do cinema atual - descobrir qual o melhor filme do estúdio. Boa sorte ao tentar! É uma tarefa divertida, mas talvez impossível...

terça-feira, 8 de setembro de 2009

A Órfã (Orphan, 2009)



O quanto um final ruim pode estragar um filme que até então estava bom? No caso de A Órfã, provoca quase a ruína completa. O filme estava bom, bastante interessante, com poucos sustos fáceis. Desde o início, a história do casal Kate e John prende a atenção pelos motivos certos: ótimas atuações (Vera Farmiga, em especial, está brilhante), situações de tensão real, um diretor que sabe mover a câmera de maneira criativa.

Após uma sequência angustiante num hospital, descobrimos que Kate e John querem adotar uma menina. Lá vão eles para um orfanato, onde conhecem a adorável Esther. Esther tem 9 anos e é a verdadeira menina de ouro: fofíssima, pinta quadros lindos, inventa histórias bonitas, é super gentil e parece ter recebido aulas de etiqueta da Rainha da Inglaterra. Ou seja, todo fã de filme de terror sabe que estamos diante do capeta encarnado.

Mas Esther sabe manipular as pessoas - e até chora de verdade! O filme vai caminhando muito bem, explorando situações ousadas (a filha mais nova do casal é testemunha de crimes hediondos). Só que as artimanhas de Esther começam a ir longe demais, e ultrapassam o limite do plausível: você é um pai de família e prefere acreditar numa menina que você adotou há meses, ao invés de acreditar na sua mulher de pelo menos uma década? OI?

Tá, tudo bem, é cinema e a gente se diverte com os absurdos. Mas aí vem a explicação chocante para todo o mistério que envolve Esther. E quando eu digo "chocante", é porque é mesmo um choque: é uma das coisas mais ridículas da década, no mínimo. Fico imaginando os roteiristas se achando GÊNIOS!, quando na verdade é o completo oposto. É tão absurdo que eu gargalhei durante os 20 minutos finais do filme. Gargalhei com gosto. Ao fim do filme, eu estava tão chocado que não sabia se tinha visto uma grandíssima m**** ou a coisa mais surrealista do século (agora sei que concordo com a primeira opção). O fato é que não consigo tirar o filme da cabeça desde então. Antevejo um futuro cult movie.

segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

Os melhores filmes de 2008

Magnífico o ano cinematográfico de 2008. Ao menos para nós, brasileiros: logo no início do ano já fomos agraciados com a excelente safra do Oscar, e a qualidade continuou alta ao longo de 2008. Para um fã de filmes de terror como eu, foram 12 meses históricos: provavelmente nunca vi tanto filme de terror bom no cinema em um ano só.

Foi difícil escolher 20 filmes. Mesmo não aparecendo na lista, algumas obras merecem menções e valem muito a pena: o brasileiro Estômago, provavelmente o filme nacional mais surpreendente do ano; o delicado e silencioso A banda, uma maravilha vinda do Egito; O silêncio de Lorna, que pra mim só prova que os irmãos Dardenne melhoram cada vez mais; e Senhores do crime, que prova porcaria nenhuma, já que dizer que "David Cronenberg é mestre" é chover no molhado.

Enfim, vamos aos escolhidos.



20 >> Shortbus
John Cameron Mitchell pode ter demorado cinco anos para realizar o sucessor de Hedwig and the Angry Inch, mas pode-se dizer que a criatividade do diretor continua intacta após todo esse tempo. Só nos primeiros minutos de filmes temos uma fabulosa maquete de Nova Iorque, um casal que transa em mil posições diferentes e um cara praticando auto-felação. Mainstream não é!
Shortbus costuma ser descrito como um filme onde vários nova-iorquinos pós-11 de setembro tentam se aproximar usando o sexo como forma de comunicação, ou algo similar. Pode ser visto assim. O filme chamou muita atenção pelas cenas de sexo explícito; elas estão lá, às vezes hilárias, outras vezes excitantes. Mas o que mais surpreende (e toca) em Shortbus é a profundidade dos personagens, é a tristeza que cada um sente apesar da aparente felicidade, dos aparentes orgasmos, da aparente realização pessoal. E o clube Shortbus, onde todos se encontram, representa uma utopia pessoal minha - e imagino que de muita gente: um lugar onde o clichê "tudo é permitido" não representa uma loucura animal e insana, mas sim um lugar de paz, onde as pessoas se gostam, se desejam e se importam com as outras - tudo junto.

19 >> Longe Dela (Away From Her)
Filmes sobre velhos (nada de "melhor idade" e outros termos politicamente corretos aqui; continuo achando que envelhecer é uma tristeza) têm um grande potencial para serem (melo)dramáticos. Filmes sobre velhos com Alzheimer, então, podem se tornar um grande banhão de lágrimas. Não que isso seja um demérito - basta ver o ótimo Diário de uma Paixão. Mas quando alguém consegue fazer um filme sobre o tema e não cair nos caminhos fáceis do drama, é algo a se celebrar. Se esse alguém é uma diretora estreante, então, parabéns quadruplicados. Foi o que Sarah Polley, ótima atriz de filmes como Minha Vida Sem Mim e Madrugada dos Mortos conseguiu com Longe Dela. Ela pega um tema difícil e dá uma aula de dignidade, elegância e ternura. As atuações de Julie Christie e Gordon Pinsent (ela, indicada ao Oscar e incensada; ele não fica atrás, talvez na atuação mais difícil do filme) dão à história um ar adulto totalmente diferente de outros filmes do gênero. Nada de cenas que arrancam lágrimas do espectador. Quando isso acontece, é nos momentos mais singelos (como quando o nome do filme é pronunciado). A conclusão em "aberto" - há controvérsias - só enriquece ainda mais esse filme, feito por e para adultos.

18 >> Pelos Meus Olhos (Te Doy Mis Ojos)
Eis outro tema bastante explorado em um monte de filmes, muitos deles bem ruins: a violência doméstica. Assunto delicado, com tudo pra descambar no dramalhão e na vingança involuntariamente engraçada à la Jennifer Lopez em Nunca Mais. Não é o caso desse espanhol Pelos Meus Olhos. Desde as primeiras cenas, que mostram a fuga da assustada Pilar (Laia Marull), o filme segue tenso, o tempo todo, mesmo que as cenas de violência - que são pouquíssimas - escapem do clichê de "Nossa, eu não previ isso". Boa parte da tensão se deve à excelente atuação de Luis Tosar, que se recusa a transformar seu Antonio em um vilãozão bidimensional. Mas o filme é mesmo de Marull, que passa toda a fragilidade de uma mulher que não sabe muito bem como retomar a vida após uma experiência tão traumatizante. Não estamos diante de uma "volta por cima", mais comum no cinema do que na vida real; aqui, a mulher ainda tem a esperança de reconstruir o casamento. Ver as tentativas de Pilar irem por água abaixo é devastador - uma cena em particular, na sala do lar do casal, é destruidora porque atinge muito mais o psicológico do que o físico de Pilar. Não tem problema algum no fato de o filme ser de 2003; o importante é que o público brasileiro (ou belorizontino) finalmente teve a chance de assistir esse grande filme.

17 >> Encarnação do Demônio
José Mojica Marins é o diretor mais original da história do cinema brasileiro. Quem mais conseguiu sobreviver fazendo filmes de terror no Brasil? Quem mais teve que esperar quarenta anos para conseguir finalizar uma trilogia? Pois quando Encarnação do Demônio finalmente foi lançado, o público simplesmente o ignorou. Fico triste por Mojica, mas fico feliz ao pensar em que o diretor não perdeu nada do seu talento durante esse tempo. Encarnação do Demônio é sensacional, cheio de frases de efeito e cenas inesquecíveis, a começar pela brilhante entrada de Zé do Caixão em cena, com suas unhas inconfundíveis. Se a imagem que a maioria dos brasileiros têm de Mojica é uma figura quase cômica, com sua cartola e capa pretas, o cineasta Mojica é barra-pesada, visceral, que encena as torturas de Zé do Caixão de forma artesanal e barroca, sem efeitos especiais. Quem viu o filme não esquece a tortura com um rato, ou o porco de onde sai uma mulher nua. Mas para o deleite dos fãs, Mojica continua divertido, com seu sotaque e seu poder de atração que desafia qualquer galã de Hollywood ("Matei suas tias; o que você vai fazer?", ele diz a uma mulher. "Serei sua" é a resposta!). Mal posso esperar para ter o DVD dessa preciosidade: esse é o tipo de filme que eu vou adorar ficar revendo pra decorar todas as falas e citá-las sempre que possível.

16 >> O Orfanato (El Orfanato)
Nem dá pra pegar a saída mais fácil e dizer que "a Espanha ensina aos EUA como fazer um filme de terror", já que a terra de Obama também produziu alguns filmes fenomenais do gênero neste ano. Mas O Orfanato é nitidamente europeu, com economia de sangue e sustos fáceis - mas quando eles surgem, olha o cinema inteiro pulando junto! O clima aqui é o mais aterrador, com a grande casa vazia onde um dia funcionou o orfanato do título; um garotinho com uma máscara aterradora, um verdadeiro Homem Elefante júnior; e até mesmo uma brincadeira similar ao pique-esconde, uma das cenas mais bem-filmadas e tensas do ano. Geraldine Chaplin aparece como uma médium em uma sequência aterrorizante, com a casa toda escura; mas o destaque é mesmo Belén Rueda, que usou sua experiência pessoal (ela perdeu uma filha, vítima de problemas no coração) para construir uma atuação que não é só tensa, mas também emocionante - lembrando Nicole Kidman em Os Outros. E a solução do mistério é tão bem encaixada, tão ajustada que dá gosto de repensar todas as pistas que o filme vai dando no decorrer da história. Aliás, um filme de terror tão bom assim é pra ver mais de uma vez.

15 >> Cloverfield: Monstro (Cloverfield)
Até que demorou para alguém fazer um filhote à altura de A bruxa de Blair, mas 2008 trouxe dois deles para os cinemas brasileiros (o outro também está nesta lista). Cloverfield foi precedido de toda uma campanha misteriosa, o que fez as expectativas subirem ao teto. Sorte nossa que o resultado final corresponde à apreensão deixada pelo trailer e por aquele cartaz da Estátua da Liberdade sem cabeça: é um filme curto e jovem, mas que não segue os caminhos mais óbvios. Desde o início, é possível ver um cuidado do roteiro em fazer com que o público se importe com os personagens, principalmente com o casal central. Quando o monstro começa o ataque a NY e a turma decide ficar em Manhattan para buscar o objeto de desejo do protagonista, a decisão parece lógica e não absurda. E sai de baixo com a tensão provocada pelo monstrão: visto de início só de relance, cada detalhe apresentado - pernas, rabo, a própria dimensão do belzebu - provoca espanto. E as "surpresas" que o monstro carrega consigo são fenomenais, criando ótimas cenas em uma linha de metrô e também num hospital de campanha. Mas o maior diferencial do filme é mesmo o emocional: ao final de tudo - final esse que não é feliz -, quando uma personagem, em uma fita gravada anteriormente, diz a singela frase "Eu tive um dia bom", dá pra sentir toda a tristeza e dor por aquelas vidas encerradas de modo tão absurdo. E se meus elogios parecem exagero, saibam que a publicação mega-intelectual Cahiers du Cinéma também colocou o filme entre os melhores do ano, OK?

14 >> Estamos Bem Mesmo Sem Você (Anche Libero Va Bene)
Os atrasos que alguns filmes europeus sofrem para chegar ao Brasil (mais especificamente, a Belo Horizonte) se acumularam em 2008. Como resultado, uma leva de obras de alguns anos atrás chegou aos cinemas da cidade somente no ano passado. Para minha sorte, várias delas são verdadeiras obras-primas, como este filme italiano de 2006. O ator-que-virou-diretor Kim Rossi Stuart (de As chaves de casa) estréia na direção com uma história cruel sobre um garoto que, sem querer, se torna o pára-raios de uma família em dissolução. Bonito e bom ator, não dá pra acusar Kim Rossi de vaidade, já que ele, além de dirigir, interpreta o pai - que é francamente antipático e odioso. Após a partida da mãe, o pequeno Tommi, de 11 anos, é obrigado a lidar com todo tipo de displicência e obrigações que seu pai impõe; quando a mãe volta, implorando por perdão, aquilo pode significar finalmente a merecida paz da criança. Como estamos diante de um drama, infelizmente não é isso que ocorre. O pequeno Alessandro Morace tem uma atuação assombrosamente madura, passando longe das caras e bocas que seduziriam fácil os espectadores. Choro fácil, então, nem pensar. Tanto que, na última cena, quando o sofrido Tommi finalmente cai em prantos, o efeito é arrasador, mais forte do que cinco melodramas juntos. A gente tem a esperança de que Tommi vá ficar bem, mas a realidade não aponta para isso...

13 >> Os Estranhos (The Strangers)
Que vontade de levantar e aplaudir esse filme ao fim da sessão! Isso se eu estivesse em condições, já que, quando os créditos subiram, eu estava tremendo, nervoso e chorando. Eis aqui a melhor homenagem aos filmes de suspense e terror dos anos 70, tipo The Last House on The Left de Wes Craven, aquele tipo de filme com recursos mínimos e uma premissa tão simples (casal em casa isolada é aterrorizado por estranhos) que foi praticamente destruída por inúmeros filmes ruins. Mas aqui temos um diretor, Bryan Bertino, que nitidamente ama filmes de terror, e tem um respeito profundo pelo espectador. Basta analisar a famosa cena da foto ao lado (que também ilustra o pôster original): quando o mascarado aparece ao fundo da cena, e Liv Tyler não o vê, um diretor mais escroto faria com que ele sumisse... pra logo depois dar um susto no espectador pulando em frente à cena. Mas o diretor simplesmente deixa ele no fundo, desfocado, e o efeito é incrível, tenso, angustiante: ELE CONTINUA LÁ! É tudo que um fã de suspense pode pedir, assim como as belas e discretas homenagens a clássicos como O iluminado, Pânico e O Massacre da Serra Elétrica. Claro que o filme tem a sua cota de sustos fáceis, mas pelo amor de Deus, quem no cinema não deu um pulo de vinte metros quando o rosto do mascarado aparece na janela? Na verdade o maior mérito do filme é o incrível sadismo dos "estranhos": eles não se contentam em assustar suas vítimas por 15 minutos e depois matá-las; eles vão assustá-las (e o espectador também) durante o filme inteiro. Isso, pra mim, é genialidade.

12 >> Wall-E
O que mais pode ser dito sobre Wall-E que ainda não foi dito? Não, não é o melhor filme da Pixar (ainda prefiro Ratatouille). Mas até isso pode mudar no futuro, já que este é com certeza o filme mais adulto e ousado da Pixar. É chover no molhado falar dos primeiros 40 minutos de filme, como eles ocorrem quase sem diálogo algum. Mas tem como não ficar maravilhado com aquilo? Com a baratinha que acompanha Wall-E e é sem dúvida a Barata Mais Fofa da História? E as gags visuais brilhantes, como a dúvida entre o anel e a caixa que o comporta? Isso sem falar nas cenas em que o nosso herói assiste comovido ao musical Alô, Dolly!. Talvez isso seja o mais próximo que o cinema americano chegou da obra de Hayao Miyazaki: aquele tipo de filme em que a única reação possível é ficar de boca aberta e pensar incessantemente: "Não acabe, não acabe, que esse mundo mágico não acabe". Talvez o filme caia um pouco depois que Wall-E e sua amada Eva partam para uma aventura interplanetária; ou então o filme passe a proporcionar prazeres mais convencionais, mas não menos adoráveis. O fato é que Wall-E já entrou, merecidamente, pra história do cinema. Eu é que não queria estar no time do "não gostei", pois eles estão perdendo de goleada.

11 >> Na Natureza Selvagem (Into the Wild)
Quando eu era criança, vi um filme na Sessão da Tarde chamado Minha Montanha Mágica - sobre um menino que vai para as montanhas e fica vivendo lá, com a ajuda de um ermitão ou algo parecido. Eu adorei o filme, e essa idéia de morar sozinho no meio da natureza. Mas hoje em dia, um filme sobre isso, para as pessoas em geral, parece simplesmente um Minha Montanha Mágica - um filme para crianças. Conheço várias pessoas que não viram Na Natureza Selvagem porque acharam que a história era boba: um cara que decide largar tudo e todos e morar sozinho na natureza. Bobos eles, já que o filme - e a premissa dele também - é sobre a vida, sobre solidão, sobre a importância dos outros seres humanos à nossa volta. A história (real) de Chris McCandless ressoa para qualquer pessoa que já tenha pensado nesses temas. E quem já não pensou? Quem já não teve a idéia de que abandonar a humanidade pode ser o melhor passo? O diretor Sean Penn, sabiamente, primeiro mostra o ponto de vista de Chris: as vantagens de estar sozinho, a liberdade, a ausência de regras, a beleza indescritível da natureza. Mas aos poucos, Penn vai mostrando o outro lado: as coisas que só conseguimos quando convivemos com outras pessoas, a maravilha que é descobrir partes de si nos outros, ver que alguém que encontramos pela vida pode pensar como a gente. E quando Chris aprende a grande lição da sua vida, ela é compartilhada por todos: a felicidade só é real quando compartilhada. Esta é a obra de um verdadeiro humanista. Alguém que, apesar dos pesares, acredita nos humanos.

10 >> [REC]
E aqui está o outro filhote brilhante de A bruxa de Blair. Assim como Cloverfield, [REC] é todo filmado em câmera subjetiva - com as consequências naturais, como um ponto de vista "balançante", imagem "lavada" etc. E [REC] é mais uma prova de que um bom filme de terror não precisa de muita coisa além disso. Todo filmado em um só ambiente, com poucos atores, temos aqui uma das experiências mais assustadoras dos últimos tempos. Não estamos diante de uma premissa muito original - um prédio onde os moradores começam a manifestar sintomas de uma estranha doença -, mas temos talento puro e bruto por trás das câmeras. O que é mais surpreendente é que, mesmo num filme que dura só 80 minutos, os diretores Paco Plaza e Jaume Balagueró ainda tomam todo o tempo do mundo pra introduzir os personagens: a repórter, o câmera, os bombeiros que vão investigar uma chamada misteriosa num prédio. Tempo suficiente para que eu pudesse pensar, "O filme está ok, mas eu não estou sentindo medo algum". Ah, se eu soubesse! A partir do momento em que as consequências da doença são mostradas, o filme é um trem-fantasma com a velocidade de uma montanha-russa, mas sem as ondulações dessa última. É uma porrada, com sangue em quantidade suficiente para assustar, cenas aceleradas, sustos certeiros e um clímax que... Lembram do clímax de A bruxa de Blair, na casa no meio do mato? O clímax de [REC] é naquele nível. É assustador. É ABSURDAMENTE ASSUSTADOR. É de virar do avesso. São cinco ou dez minutos de terror puro, daqueles de querer esconder a cara, de querer sair do cinema mas sem conseguir desgrudar os olhos da tela. Se a famosa "visão noturna" parecia ter atingido seu ápice no cinema no final de O Silêncio dos Inocentes, o final de [REC] acaba de elevar esse recurso a outro patamar.

09 >> Vicky Cristina Barcelona
Quantas vezes eu ouvi a frase "Esse é o melhor dos últimos filmes do Woody Allen"? Inúmeras. Após o superestimado Match Point, a frase se multiplicou. Eu nem sou um grande detrator dos filmes que Woody fez nessa década, acho a maioria no mínimo decente. Mas faltava uma obra-prima. Faltava. Barcelona conseguiu o que Londres apenas tentou: fez o talento do diretor ressurgir aos borbotões, jorrar do nova-iorquino. Vicky Cristina Barcelona é um dos melhores filmes dele, porque tem tudo que ele sabe fazer de melhor: atuações esplêndidas, frases certeiras que parecem sair de forma natural da boca dos atores, um falso sentimento de leveza e alegria (o gosto amargo no final do filme é o mesmo de obras como A Rosa Púrpura do Cairo e Noivo Neurótico, Noiva Nervosa). Li tanta gente chamando esse filme de "leve" que me perguntei se eles teriam visto o mesmo filme que eu. Sim, a atmosfera é leve e agradável como o verão em Barcelona; mas os temas são fortes, existenciais. Temos duas mulheres, uma que acha que sabe o que quer e outra que sabe somente o que não quer; temos um homem que vai bagunçar o coração das duas; temos uma terceira mulher que vai bagunçar tudo. No meio do caminho, algumas verdades dolorosas vão sendo ditas ("Apenas tenho que aceitar que eu não tenho talento algum", diz a Cristina de Scarlett Johansson, num dos momentos mais tristes do ano cinematográfico para mim) e outras verdades são descobertas. E as respostas definitivas, aquelas que vão dar rumo à vida? Essas não existem, e Woody Allen sabe disso. A única opção é seguir, sabendo o que se quer... ou sabendo o que não se quer.

08 >> O Nevoeiro (The Mist)
É bom ver O Nevoeiro sabendo de pouca coisa, assim como eu fui ver. Torna as surpresas mais chocantes, e o roteiro ainda mais esperto. Se você sabe que o filme é sobre um nevoeiro misterioso que toma conta de uma cidade, ótimo; deixe-se surpreender com os rumos que a história toma. Se você sabe mais, surpreenda-se com o que o filme vai te fazer pensar: o poder absurdo de Deus e da Bíblia nas mãos de uma pessoa desequilibrada (e nem estamos falando de guerra); os atos desesperados e egoístas que a paranóia pode levar alguém a cometer; como o "ama seu vizinho" é muito mais fácil na teoria do que na prática. O diretor Frank Darabont pegou o conto de Stephen King e fez um autêntico filme B (ele inclusive queria que tudo fosse em preto-e-branco), mas um filme B com talento A. Uma Marcia Gay Harden irrepreensível interpreta uma beata insana e perigosa; dá pra ver o Diabo agindo por ela disfarçado de Deus. Cenas de conflito entre pessoas que pensam de forma diferente são tão tensas quanto ataques de um inimigo desconhecido e nada humano. E o final. Que final. Que ousadia, que soco na cara de todos os anos e décadas de finais redentores, felizes, esperançosos. É final pra entrar em qualquer lista de finais-mais-desesperançosos-do-cinema, final pra ser analisado e admirado no futuro - "Putz, que ousadia desse diretor". Claro que o filme foi fracasso de bilheteria nos EUA. Dava pra esperar algo diferente de um filme tão corajoso?

07 >> Batman - O Cavaleiro das Trevas (The Dark Knight)
2008 foi o ano do morcego, não há como negar. Mesmo para aqueles que, como eu, não morreram de amores por Batman Begins, foi impossível resistir a todo o talento por trás de O Cavaleiro das Trevas. Deixa eu falar do Heath Ledger de uma vez, porque não tem como não falar dele: a cena do "desaparecimento do lápis" é ou não é uma das mais legais do ano? E o Coringa vestido de enfermeira, o que é aquilo? Vou ficar só nisso, porque, depois que a fumaça toda se dissipa, é mesmo muito triste pensar que não teremos mais uma interpretação de Ledger para ficarmos maravilhados (e pode apostar que sim, vou derramar umas lágrimas quando ele ganhar o Oscar). Mas o resto do elenco do filme responde à altura. Christian Bale maneirou na rouquidão do Batman e está mais à vontade; Morgan Freeman, Gary Oldman e Michael Caine são os coadjuvantes mais elegantes e luxuosos que um filme de super-herói poderia pedir; Aaron Eckhart é o altruísmo em pessoa na pele de Harvey Dent (até... bom, quem viu sabe); e Maggie Gyllenhaal constrói uma Rachel Dawes à altura de Bruce Wayne - agora dá pra entender porque um playboy multimilionário e bonitão como ele se apaixonaria por ela: ela é forte e decidida o suficiente para não sucumbir ao fácil "Oh, que homem perfeito!" (ela pensa mais algo como "Que homem complicado"). A esse elenco de sonhos, adicione um punhado de cenas de ação fantásticas, uma Gotham City com muito mais cara de cidade real do que nunca, um clima desesperançoso... E temos o que é, provavelmente, o melhor filme de super-herói de todos os tempos.

06 >> Onde os Fracos Não Têm Vez (No Country for Old Men)
O premiado filme dos irmãos Coen me proporcionou um dos finais de sessão mais interessantes do ano: há o monólogo de Tommy Lee Jones, e no meio do monólogo eu pensei: "O filme vai acabar agora, e vai ser maravilhoso que acabe assim". Ele para de falar, a tela fica preta, as luzes se acendem e eu estou até emocionado com o final. A platéia à minha vonta, no entanto, reagiu diferente: "Como assim?", "Que final é esse!" e "Nada foi explicado" foram algumas das reações que eu colhi. Ainda bem, para mim, que os irmãos Coen não estão atrás de finais redondinhos e explicações fáceis. Onde os Fracos Não Têm Vez é o negativo de Fargo (e, junto com ele, o melhor filme dos Coen): enquanto em Fargo o otimismo e a bondade da personagem de Frances McDormand prevaleciam em meio a um bando de ganaciosos e egoístas, dez anos depois o mundo mudou: os que acreditam na bondade humana - os "fracos" do título não têm vez. Se não morrem, sucumbem. Tudo isso vem novamente disfarçado de policial caipira (mas agora com muito mais suspense que em Fargo), com o personagem de Josh Brolin sendo perseguido por um assustadorzão Javier Bardem após achar uma mala com dinheiro. O mais interessante de Onde os Fracos Não Têm Vez está nas bordas: em como uma personagem secundária como a de Kelly MacDonald acaba sendo a única pessoa com integridade moral; em como o dinheiro, no fim das contas, não tem importância alguma na história; e em como o monólogo final de Tommy Lee Jones é incrivelmente rico em simbolismos. As discussões provocadas por esse filme após a sessão duraram horas, mas a opinião de todos era unânime em relação ao brilhantismo desta obra.

05 >> A Espiã (Zwartboek)
Paul Verhoeven saiu da Holanda e fez nome em Hollywood. Robocop, O Vingador do Futuro, Instinto Selvagem, sucesso atrás de sucesso. Mas então veio Showgirls, um dos filmes mais sem noção (e divertidos) já cometidos. E a vida de Verhoeven nunca mais foi a mesma... Claro que filmes apenas ok como O Homem sem Sombra não adiantaram muito. O que Verhoeven fez? Voltou para a a Holanda e realizou A Espiã, disparado o filme mais... Hollywoodiano de sua carreira. É uma daquelas histórias de guerra com as quais os executivos americanos sonham, uma história capaz de levar multidões aos cinemas e transformar a atriz principal em super-estrela. Pois foi o que Verhoeven fez, mas bem longe dos EUA. A Espiã é a vingança pessoal do diretor, a prova de que o talento dele continua intocável. A história da cantora judia que se disfarça de nazista (com direito a uma pintura platinum blonde) para conseguir arrancar segredos dos alemães é contada de forma magistral, com todos os elementos do cinemão: intrigas mil, amores impossíveis, traições insuspeitas, humilhações. Tudo isso contado com a costumeira franqueza do diretor, que não esconde nada (sim, você vai ver a nossa heroína descolorindo os pelos pubianos). Heroína, aliás, interpretada de forma magnífica e indescritível por Carice van Houten, na atuação mais reveladora do ano - se ela fosse americana, já seria uma estrela. Como não mora, ela é "apenas" dona de uma das atuações mais fortes dos últimos tempos. A Espiã mira na história mas atinge as vísceras. É um filme completo, onde não falta nada.

04 >> Sangue Negro (There Will be Blood)
Paul Thomas Anderson, provavelmente meu diretor americano favorito da atualidade, dá continuidade à sua série de filmes nota 10 com Sangue Negro, que consegue a proeza de ser ainda mais ambicioso que Magnólia. A história do ambicioso explorador de petróleo Daniel Plainview já é uma das sagas mais sensacionais do cinema, com tudo de estranho e brilhante que P.T. Anderson sempre empresta aos seus filmes. São três horas que passam voando, três horas que contam décadas de uma vida e ao mesmo tempo contam muito sobre um país. Daniel Day-Lewis não faz esforço algum em ser simpático ou em fazer com que o espectador sinta empatia - e por isso mesmo seu Plainview é tão fascinante. Ele é o completo oposto das garotas de Vicky Cristina Barcelona: ele sabe exatamente o que quer. E também o que não quer. O que ele quer? petróleo? O que ele não quer? Entre outras coisas, amizade ou a companhia de outras pessoas (basta o uso funcional de seu filho adotivo, o pobre H.W. Plainview, que responde pela parte emocional do filme). Ah, e também a aproximação do oleoso Eli Sunday, um pastor que responde pelo que de pior e mais fanático a igreja tem a oferecer. Se já é difícil fazer um filme de três horas, imagine um com um personagem principal tão difícil. Mas nada parece ser um desafio grande o suficiente para desanimar PTA, que possui a mesma determinação de Plainview: em um giro de 180 graus após a redenção de Embriagado de Amor, Sangue Negro é "simplesmente" a história de um homem solitário porque escolheu ser assim. E no caso dele, não há lição à la "A felicidade só é verdadeira se compartilhada" pra aprender. Daniel Plainview não aprende nenhuma lição, porque desde o início ele já sabe tudo que precisa.

03 >> Desejo e Reparação (Atonement)
Transformar um bom livro em um bom filme é difícil; transformar uma obra-prima literária em uma maravilha cinematográfica é tarefa hercúlea. Pois deixemos o trabalho para o diretor Joe Wright e o roteirista Christopher Hampton, que pegaram o brilhante romance Reparação, de Ian McEwan, e conseguiram fazer a melhor adaptação possível para as telas. Ou seja, não é melhor que o livro. Mas nunca poderia ser. Mas ainda assim é fenomenal, uma verdadeira obra de arte, um filme de tirar o fôlego logo no primeiro ato, com a pequena Briony arruinando a vida do casal Robbie e Cecilia por causa de uma mentira que assume proporções trágicas. Livro e filme são sobre expiação, culpa e arrependimento; mas são também sobre o poder mágico da escrita, sobre a capacidade que a arte tem de, às vezes, proporcionar uma saída quando simplesmente não há saídas. E as soluções encontradas por Desejo e Reparação para honrar esses temas são de emocionar - como a trilha sonora que se aproveita de uma máquina de escrever para criar percussão. O já citado primeiro ato (talvez a melhor coisa do cinema em 2008) é tão repleto de qualidades que fica difícil citar apenas algumas: a atuação certeira de Saoirse Ronan, que consegue se destacar em meio a um elenco irrepreensível. A química e a bravura de Keira Knightley e James McAvoy. A fotografia estupenda, que transforma várias cenas em momentos clássicos. Mas este não seria o filme tão bom que é se a qualidade caísse após o primeiro ato - e não cai. Desejo e Reparação segue destruidor até a conclusão devastadora, que mostra finalmente o poder da arte. É apenas no fim que o filme difere um pouco do livro, e ainda assim não é ruim - é mais cinema e menos literatura. Nem consigo dizer o que deve ser feito primeiro, a leitura do livro ou assistir ao filme, já que sou completamente apaixonado por ambos.

02 >> Deixa Ela Entrar (Låt Den Rätte Komma In)
Em um ano repleto de filmes de terror excelentes, o melhor de todos veio de um país sem tradição alguma no gênero: a gélida Suécia. Na verdade, Deixa Ela Entrar não é apenas um filme de "terror" - nem provoca tanto medo assim -, mas os elementos mais fortes da obra pertencem ao gênero, então é terror e acabou. Mas é também um drama psicológico foda, contando a história do pequeno e frágil Oskar, que vive apanhando na escola e sonha com vingança. Oskar conhece a misteriosa Eli, uma garota que aparentemente não sente frio e só sai de casa à noite. Oskar e Eli são solitários por natureza - cada um com seus motivos -, e acabam formando uma amizade improvável, mas ao mesmo tempo óbvia. O clima frio da Suécia é muito bem explorado pelo diretor Tomas Alfredson, que filma longas cenas silenciosas em um playground cercado de neve, atento a detalhes marcantes como o nariz do pequeno Oskar, que não para de escorrer por causa do frio. Deixa Ela Entrar é um punhado de cenas marcantes atrás da outra, principalmente quando a violência explode. E não apenas as cenas que envolvem vampirismo: o momento em que Oskar finalmente revida a violência de um dos "valentões" da escola é inesquecível, o sorriso estampado no rosto dele equivalendo ao momento em que um herói finalmente mata um super-vilão. Os jovens Kåre Hedebrant e Lina Leandersson estão estupendamente bem, e são o coração de uma obra que já nasceu clássica (assim como o clímax na piscina, uma explosão de fúria quase silenciosa). Eu tive a sorte de ver esse filme na Mostra de São Paulo; vamos todos rezar para que entre em circuito logo. Quero ver de novo pelo menos mais umas quatro vezes.

01 >> 4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias (4 Luni, 3 Saptamâni si 2 Zile)
Pra que serve o cinema? Se me fizessem essa pergunta, uma das primeiras respostas que eu daria seria aquele clichê: "Pra divertir. Pra fazer com que, por duas horas, a gente possa esquecer nossa vida e embarcar em mundos fantasiosos, divertidos, aventurescos, de alguma forma mais bacanas que o nosso". Em uma palavra: como forma de escapismo. Mas às vezes surge um filme ficcional que foge completamente dessa definição - um filme que parece um pedaço de vida arrancado do mundo e jogado na tela, sem artifício algum. Mais ou menos como um documentário, mas talvez mais chocante ainda. Foi assim que me senti vendo 4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias, a primeira obra romena com que tenho contato. Não é entretenimento, não é escapismo: é a vida, ali, na minha frente. A ausência de trilha sonora, a câmera que fica parada por longos minutos na mesma posição, esses e outros artifícios podem fazer com que as palavras "Dogma 95" venham à mente. Mas não se trata de um manifesto. Pra mim, o diretor Cristian Mungiu simplesmente sabia a brilhante história que tinha nas mãos, e não quis que nada atrapalhasse o andar da carruagem. O que você precisa ver está na tela - e sim, temos pelo menos uma imagem que pode chocar muita gente. Mas precisa ser visto. Porque, apesar de ser uma obra de ficção, não é nada difícil que a história de Otilia e Gabita tenha acontecido na Romênia comunista dos anos 80, ou em qualquer outro país regido por mãos de ferro. A atriz Anamaria Marinca, que dá vida à determinada Otilia, é responsável pela maior atuação do ano: não dá pra pensar em "técnica" quando ela está na tela, e ao mesmo tempo, na cena em que Otilia percebe um erro bobo que cometeu - "Por que não uma mulher?" -, as mudanças no seu rosto são tantas que meu queixo caiu com a competência de Marinca. O melhor filme não-estrangeiro da década? É bem possível. E eu fico ansioso pelas futuras maravilhas que a Romênia pode proporcionar ao cinema.