domingo, 28 de março de 2010

Memórias (Stardust Memories)



Fiquei bastante curioso para ver este Memórias depois de ler o livro Conversas com Woody Allen (gentilmente emprestado pelo Gui Poulain). No livro, o diretor afirma como este é um de seus filmes favoritos, e como ele foi massacrado quando o filme foi lançado. Os críticos acharam pretensioso, e fãs ficaram irritados com o modo como Allen retrata os fãs de Sandy Bates, o protagonista de Memórias.

Oras, Sr. Allen, que reação você poderia esperar? Acredito em você quando você diz que Sandy Bates pouco tem a ver com você - mas a situação (um diretor de cinema sofre com o descaso de fãs e críticos quando se dispõe a dirigir filmes sérios, em vez das comédias que fazia até então) era muito familiar em 1980. Visto agora, depois de tantos dramas realizados - alguns entre os melhores filmes de sua carreira, como Crimes e Pecados -, Memórias pode ser visto com distanciamento. E apreciado pelo que é: uma das obras mais ousadas do diretor, onírico (mas não onírico/fofo como A Rosa Púrpura do Cairo; é um onírico/surreal) e muito melancólico.

A fotografia em preto-e-branco realça essa qualidade do filme. Não é obra pra gargalhar. Nos momentos engraçados, provoca sorrisos. Mas também há os momentos ternos, e estes são profundamente ternos. Um truque de mágica num descampado. Uma mulher que folheia uma revista e olha pra câmera. Outra mulher que chega na cidade e caminha em direção à câmera, um raio de sol loiro e ambulante. John Waters disse uma vez que Woody Allen era o diretor mais heterossexual em atividade. Deve ser verdade. Ele realmente ama as mulheres; ama tanto que me deixa apaixonado por elas também. Como me deixou por Charlotte Rampling.

Dorrie talvez seja o personagem mais triste dos filmes de Allen. Ela é trágica mas também cativante. Charlotte Rampling por si só tem uma qualidade única (até mesmo um diálogo do filme faz referência a isso). Lindíssima mas com algo feroz no rosto. Parece sempre olhar para um futuro triste. O diretor explora maravilhosamente o rosto da atriz, principalmente numa sequência de closes e cortes. É de cortar o coração. Dizem que Memórias é uma comédia, mas pra mim ficou um gosto triste, "bittersweet". E é muito bom ainda ter tantos filmes bons do Woody Allen esperando para serem vistos...

domingo, 21 de março de 2010

Lembranças (Remember Me)

Há pelo menos duas formas de discutir Lembranças: uma é falar do filme em si. Outra é falar do filme a partir do final, final tão odiado pelos críticos americanos, tão desprezado.
Prefiro falar do filme em si.



Assim como boa parte da população, eu tinha decidido não assistir esse filme porque achei que seria um veículo besta pro Robert Pattinson. Mas uma crítica intrigante do site Rope of Silicon me chamou a atenção. Obrigado, Brad do Rope of Silicon, por me fazer ver o filme que, até agora, é disparado o mais surpreendente do ano.

Fui ver sem saber do que se tratava, e por isso vou falar só o básico. Há Tyler (Pattinson), 21 anos, filho de pai rico e distante, perdido na vida. Há Ally (Emilie de Ravin), 21 anos, marcada pelo assassinato da mãe e pelo pai superprotetor. Há o encontro dos dois, há um relacionamento, há duas famílias com traumas e tristezas. É isso.

Desde o início o filme me prendeu. Não sei explicar o porquê. Os personagens, mesmo quando falam de forma eshpertinha e nada realista, são críveis e cativantes. Assim como o romance do casal. E a dinâmica entre o casal e os coadjuvantes, principalmente entre Tyler e sua irmã caçula, provoca momentos brilhantes - é uma bela atualização de "O Apanhador no Campo de Centeio".



Lembranças não é filme feito pra fãs de Crepúsculo. É, de certa forma, lento. E lida com temas bem mais pesados que a saga vampiresca: suicídio, assassinato, culpa, arrependimento, relações familiares abaladas. Apesar de trilhar caminhos bem conhecidos, é um filme meio estranho. Conseguiu mexer comigo de forma que poucos filmes conseguiram, nos últimos tempos. Era como estar numa roda de pessoas que você acabou de conhecer. Pessoas interessantíssimas, que podem até falar algumas coisas bobas às vezes, mas que te deixam o tempo todo compenetrado, feliz por estar compartilhando aqueles momentos.

E o final? Claro que não vou revelar aqui. Mas o que o final fez, para mim, foi colocar histórias de umas poucas pessoas num contexto mais amplo, somente isso. É triste, é muito triste. Mas como diz a clássica frase de Magnolia: but it did happen.

sexta-feira, 19 de março de 2010

Ilha do Medo (Shutter Island)



Lembro que quando vi Os Infiltrados (e depois escrevi sobre ele, no meu blog antigo), pensei: "Caramba, que privilégio é poder ver um filme novo do Martin Scorsese. Taí um cara que realmente só pode ser chamado de gênio. Ele ama cinema, entende de cinema, e faz seus filmes pensando na tela grande". Tudo isso voltou à minha mente enquanto assistia Ilha do Medo. Com cinco minutos de filme, Scorsese já proporciona uma imagem daquelas de fazer qualquer cinéfilo rir de orelha a orelha, enchendo a tela de ponta a ponta, aproveitando todo o glorioso widescreen (a cena em questão é a chegada da barca à ilha).

E como sempre, Scorsese está rodeado de uma equipe à altura. Fotografia, edição, figurinos, tudo é brilhante. A trilha sonora merece um capítulo à parte: grandiosa, tensa, assustadora, remete aos clássicos de terror e suspense dos anos 40 e 50. Perfeita para o clima paranóico da história.




Por falar em história, ela não é das mais originais. Nem pretende ser. Mas acaba levando a uma conclusão brilhante, impecável (e bastante deprimente). As surpresas e reviravoltas da trama não são tratadas de forma "espertinha", daquele tipo que seu amigo mala diz, "Eu já sabia!". Tudo sempre esteve lá, escondido.

Leonardo DiCaprio continua sendo o melhor parceiro que Scorsese poderia pedir, e o elenco secundário é um primor. Mark Ruffalo parece ter sido teletransportado de um film noir clássico; Emily Mortimer, em uma cena, destrói; Patricia Clarkson é aquela coisa brilhante de todo o sempre; e Michelle Williams está exuberante como a falecida mulher do protagonista - o clímax é poderoso e inesquecível.

Fico por entender quando leio críticos dizendo que Ilha do Medo é um "Scorsese menor". É preconceito contra o suspense, o terror? Pra mim, é filme com lugar garantido entre os melhores do ano.