domingo, 25 de março de 2012

Jogos Vorazes (The Hunger Games)



Quem me conhece sabe do meu apreço pelos livros da série Jogos Vorazes. Devorei os três no ano passado, quando eles ainda eram bem pouco falados no Brasil - e ao mesmo tempo ia tentando convencer todo mundo que conheço a lê-los também. O desafio maior era fazer com que as pessoas acreditassem que, ao contrário da publicidade idiota, os livros de Suzanne Collins não têm nada a ver com as bobagens vampirescas e lobisomísticas de Crepúsculo. Caramba, é um livro onde duas dúzias de adolescentes se matam de todas as formas possíveis!

Eu estava (literalmente) contando os dias para a estréia do filme. Dia 23 de março, dia 23 de março: a data estava marcada na minha cabeça. Quando o dia chegou, passei a manhã num estado de excitação que beirava a histeria. Foi o mais perto que já cheguei do frenesi adolescente por filmes baseados em séries de livros de sucesso. Mas grande parte da minha ansiedade era porque tudo indicava que o diretor Gary Ross parecia que tinha feito tudo certo: chamou Suzanne Collins para ajudar no roteiro. Escalou um elenco impecável, desde a protagonista Jennifer Lawrence até Donald Sutherland num papel bem pequeno nesta primeira parte da trilogia. O trailer me deixava marejado de emoção, só de ver aquele universo na tela.

Dizem que certeza absoluta não existe, mas digamos então que eu tinha 99% de certeza que Jogos Vorazes seria um filme incrível (ainda mais quando a crítica em peso adorou). Toda a minha expectativa e ansiedade foram justificadas: o diretor fez um filmão. Essa confiança antecipada no trabalho de Gary Ross me ajudou, pois foi fácil perdoar alguns pequenos deslizes. É muito pouco pra reclamar perto de tanta coisa sensacional.



A cena da foto acima é exemplar. Katniss (Jennifer Lawrence) acabou de ser a escolhida para participar dos Jogos Vorazes - onde 24 adolescentes começam e apenas um termina vivo. Nas mãos de um diretor menos respeitoso, e inteligente, a cena seria acompanhada de uma música dramática, querendo acentuar a tensão e a tristeza da situação. Mas Gary Ross filma tudo num silêncio acachapante. É muito mais devastador dessa forma: quando o nome de Katniss é anunciado, não é preciso nenhuma música para que a gente sinta o peso que cai sobre os ombros da garota. Junte essa escolha ao cenário fabuloso - que lembra uma cerimônia nazista - e o resultado é uma sequência memorável.

E o diretor surpreende ainda mais com as sequências na Capital, a terra do luxo, da riqueza e do desbunde. Ross tem um olho sensacional para o espetáculo. A câmera captura todo o absurdo de uma cidade que comemora loucamente o início de uma chacina. Os figurinos, incríveis/ridículos como no livro, trazem à mente as viagens de Laranja Mecânica. Os painéis que exibem os tributos (os adolescentes escolhidos) são um achado, acentuando a noção de "esporte" que a Capital dá aos Jogos. E quando os painéis multiplicam a imagem do apresentador Caesar Flickerman (Stanley Tucci numa atuação cativante, dinâmica e diabólica ao mesmo tempo), o efeito é perturbador: estamos diante de um American Idol do inferno.

O elenco secundário por si só renderia dez parágrafos. Merece destaque Elizabeth Banks, impecável na sua doce futilidade com os luxos da capital - sua Effie Trinket realmente nem arranha a profundidade que os Jogos possuem, mas ainda assim ela é adorável e cômica. E Donald Sutherland também merece mil elogios. O ator veterano é sábio o suficiente para não encher o presidente Snow (o grande vilão da trilogia) de caretas malvadas e olhares venenosos. Nesse primeiro filme, Sutherland interpreta Snow quase como um filósofo - e assim dá uma profundidade assustadora ao personagem.

Várias pessoas reclamaram do fato de as mortes no filme não serem tão perturbadoras/explícitas como no livro (só assim para o filme conseguir censura 13 anos nos Estados Unidos). Entendo o lado delas, mas não vou reclamar. E nem poderia, após a morte de um tributo dos mais queridos. Assim como no livro, é uma cena devastadora. E a reação que essa morte provoca me deixou em prantos. É a melhor cena do filme. Quando duas palavras apareceram na tela, descrevendo um local, provocaram em mim uma sensação que só o cinema consegue. É por momentos assim que eu amo ir ao cinema. Eu posso estar exagerando, mas eu sempre fui fã dos superlativos: com Jogos Vorazes, nasce um clássico.

quarta-feira, 21 de março de 2012

Shame



Tanta coisa já foi dita sobre o sexo e a nudez de Shame, e não tem como escapar de falar mais um pouco disso: sim, Michael Fassbender aparece nu várias vezes. Sim, ele é bem dotado, como disse Charlize Theron. Carey Mulligan também aparece como veio ao mundo. E as cenas de sexo são o oposto de excitantes: são clínicas, frias, longas e sem erotismo. Mas essa é a intenção. Se as cenas passam alguma coisa, é tristeza.

Não poderia ser diferente com Brandon (Michael Fassbender, incrível), um viciado em sexo. E como todo viciado, a palavra "prazer" não é a mais adequada para descrever o que ele sente. Ele transa (e se masturba frequentemente) para suprir uma necessidade incontrolável. E suas transas são totalmente desprovidas de sentimento. O seu apartamento, meticuloso e impecável como o de Patrick Bateman (o "psicopata americano" em si), é um reflexo perfeito do dono: lindo, arrumado, bem-cuidado, e com zero de calor.



É nesse contexto que surge a irmã de Brandon, a cantora Sissy (Carey Mulligan). Sissy é o oposto de Brandon, completamente necessitada de amor e carinho. A relação entre os dois é complicada e tensa. Em uma cena incrível, Brandon assiste Sissy cantar uma versão bastante lenta de "New York, New York". Brandon tenta parecer estóico, mas lágrimas rolam do seu rosto. Quando sua irmã se senta à mesa, ele disfarça, não deixando que ela veja a emoção dentro dele. Brandon é um enigma, e somente Sissy parecer conseguir penetrar um pouco a sua couraça impecável.

E o filme não responde nada. Há algo de incestuoso entre os dois? O que aconteceu no passado deles? O que significa o olhar de Brandon na última cena? O espectador é que responde tudo. Ou não - algumas pessoas saíram da sessão antes de o filme acabar. Eu, quando saí do cinema, não consegui deixar de me sentir desconfortável. E triste.

domingo, 4 de março de 2012

Drive



Drive é todo "style over substance", como dizem nos Estados Unidos. A substância, por assim dizer, já foi vista e contada em inúmeros filmes anteriores. Mas o estilo é tanto, e tão impactante, que valeria por dez filmes. A atmosfera do filme é tão "cool" que o espectador sai do cinema (que é onde o filme deve ser visto) encharcado de "coolness". A atmosfera do filme transborda da tela e inunda o espectador. Ele pode até sair andando de modo mais misterioso, quem sabe, como o personagem de Ryan Gosling.

O filme do diretor Nicolas Winding Refn é perfeito para a geração contemporânea, de Tumblr e Facebook: praticamente toda cena pode virar um GIF incrível, ou uma foto que vai render comentários elogiosos nas redes sociais. Drive, surpreendentemente, é o filme que melhor captura o zeitgeist atual. E isso é um mérito fantástico.

O elenco principal, escolhido a dedo, inclui um par de atores jovens lindos e competentíssimos, e que passam longe da atmosfera celebridades + paparazzis + festas: Gosling e Carey Mulligan. Temos dois coadjuvantes oriundos das séries de TV mais elogiadas do momento: Bryan Cranston (de Breaking Bad) e Christina Hendricks (de Mad Men). E temos Albert Brooks, que no melhor estilo Tarantino se desfaz de sua persona mais conhecida (no caso dele, a de comediante) e realiza um trabalho surpreendente. Sábias escolhas do diretor - que tinha consciência da necessidade de atores igualmente talentosos e carismáticos, cujo trabalho seria preencher personagens tão pouco aprofundados que podem, cada um, ser resumidos em poucas palavras: dublê taciturno de cenas de perseguição. Mãe bondosa cujo marido está preso (há uma expressão ainda melhor em inglês: damsel in distress). E por aí vai.



O talento do diretor Refn é inegável, em inúmeros aspectos. O som é um deles: poucas vezes no cinema recente o silêncio - e a trilha sonora - foram utilizados de forma tão eficiente. As cenas de tensão são construídas da forma como deveriam ser sempre: aos poucos, de forma lenta, até explodir numa violência explicitíssima que acaba parecendo plenamente justificada. Trememos com a fúria do filme.

É fácil entender por que Drive tornou-se tão adorado na internet. É perfeito, nesse sentido. Coitado do internauta que não gostar do filme! Corre o risco de, ao menos por um tempo, tornar-se um pária nas redes sociais.

Costumo dizer que há filmes que eu amo e filmes que eu admiro. Drive é um filme para ser admirado? Sem dúvida alguma. É um filme para ser amado? Honestamente, não sei. Preciso ver de novo, depois que a poeira (e o hype) baixarem. Às vezes a bagagem que acompanha um filme é tão grande que é preciso um tempo, uma distância, para que o filme fale por si só. Drive é assim.