terça-feira, 16 de setembro de 2008

O Nevoeiro (The mist, 2007)

À parte o grande filme de terror que é O Nevoeiro (e este é um grande filme de terror; o melhor do ano), o que mais impressiona na película é o assustador poder da Bíblia. A personagem de Marcia Gay Harden é uma beata maluca e perigosa: à medida em que o caos dentro do supermercado onde se passa a história aumenta, assume cada vez mais o papel de "mensageira do Apocalipse" - chegando a demandar sacrifícios humanos.



Sempre citando passagens da Bíblia, a personagem acredita que são os pecados dos humanos que levaram todos eles à situação em que estão. Até aí nada de mais ("nada de mais" entre aspas, claro), já que em todo canto do mundo existe gente utilizando os escritos da Bíblia para promover verdadeiras cruzadas contra os ditos "pecadores". Mas quando outra personagem - do lado "bom" da história, por assim dizer - agride a beata e diz, "É assim que eles fazem na Bíblia com gente como você", fiquei muito assustado com o poder desse livrinho. São os dois lados de uma guerra baseando-se na palavra de Cristo. E, no fim das contas, indo totalmente contra os preceitos da Bíblia - o amor ao próximo, o "oferecer a outra face" etc. Sei que na situação do filme era impossível seguir o que diz o "livro sagrado", mas quando vi toda a comoção baseada no livro, não pude deixar de pensar: o Diabo, se ele existir, deve estar muito agradecido à Bíblia.

quarta-feira, 27 de agosto de 2008

O Procurado (Wanted, 2008)

Angelina Jolie tem uma qualidade provavelmente única no cinema atual: quando ela aparece em cena, faz com que todos os outros seres humanos desçam um degrau em qualquer escala que seja. Quando ela, aqueles olhos e aquela beiça magnífica, surgem na tela, ela parece ser melhor que toda a humanidade. Mas Angelina é assim não porque seja lindíssima, sexy, foda, tatuada e tudo o mais - ela é assim porque é tudo isso, sabe disso e ainda assim é uma pessoa legal. Ao menos parece ser, em entrevistas e etc. que eu li. Ela tem a aura das mulheres inatingíveis, mas pode muito bem não ser.



Quando La Jolie surge em cena em O Procurado, exatamente na cena acima, o cinema inteiro se comoveu em uníssono: ali estava Ela. Juro que foi uma sensação sentida por todos, homens e mulheres. Não é uma entrada triunfal do modo como estamos acostumados a usar a expressão "entrada triunfal", mas é magnífica de qualquer forma, porque é uma entrada plenamente consciente do seu impacto. Pra mim, honrou a entrada de Orson Welles em O Terceiro Homem, provavelmente a melhor aparição inicial de um personagem em toda a história do cinema.

Bom para O Procurado (e bom para mim) que o resto do filme faça jus à força natural de Jolie. Temos James McAvoy perfeito no papel de "loser" que se descobre dono de um dom único. Temos Morgan Freeman com toda a sua elegância. Temos cenas de ação sensacionais (o acidente de trem é provavelmente a melhor sequência de ação do ano). Temos muita aventura de desafiar as leis da física, de fazer os chatos resmungarem, "Fala sério" e as eternas crianças se maravilharem. Resumindo após três parágrafos, O Procurado é Hollywood, cheio do que Hollywood sabe fazer de melhor. Tudo isso dirigido por um russo. Provavelmente é ótimo por essa razão.

quarta-feira, 13 de agosto de 2008

50 anos da VDC


Se é pra se jogar, se joga de Versace, diz a véia


No dia 16 de agosto, a mocréia mais famosa do mundo da música completa 50 anos. Como fã, posso dizer que, com 25 anos de carreira, Madonna manteve um nível de qualidade bastante alto nesse tempo todo. Apenas uma vez a véia me decepcionou (mais sobre isso depois), mas o conjunto da obra de Madonna é, sem dúvida, um dos mais consistentes da música atual.

Em homenagem a ela, faço aqui uma lista estritamente pessoal dos melhores e dos piores discos dela. Descartando as coletâneas, os CDs de remixes e os discos ao vivo, e considerando apenas uma trilha sonora - a de Dick Tracy (que tem um monte de músicas inéditas, portanto qualifica-se como disco) -, esta é minha classificação dos discos dela, Madonna Veronica Louise Ciccone.


Os Loosho

Madonna (1983)
Bom de cabo a rabo. Nenhuma balada, nada pra encher buraco. O que temos aqui são mega hits de todo o sempre ("Lucky Star" - putz, a geração atual nem sabe que aquele início era usado nas vinhetas da Manchete! -, "Holiday", "Everybody") e clássicos escondidos ("Physical Attraction", "Think of me"). O lema aqui é só um: dance and sing, get up and do your thing.
de virar do avesso >>> Borderline, Burning Up, Think of Me, Physical Attraction
Este provavelmente é seu disco favorito da Madonna se você teve a sorte de ser jovem na época do lançamento e aproveitou a MadonnaMania bem no início, com direito a decorar a coreografia do clipe de Lucky Star

Like a Virgin (1984)
"Material Girl" é *A* definição dos anos 80. "Like a Virgin", mesmo detonada após milhões de festas mudernas, continua atrevida e ousada. E ainda tem "Over and Over", "Dress You Up", a linda "Angel"... Esse disco já seria um clássico por si só - mas fizeram o favor de adicionar "Into the Groove", que tem muita chance de ser o melhor single da Madonna nos anos 80. PÉROLA!
de virar do avesso >>> Angel, Over and Over, Into the Groove, Dress You Up
Este provavelmente é seu disco favorito da Madonna se você usou aquele monte de pulseiras de borracha preta nos anos 80 - ou se você continua se achando um(a) garoto(a) materialista

Like a Prayer (1989)
Falar que esse é o disco mais maduro de Madonna até então é chover no molhado. O que surpreende até hoje é a variedade musical - temos gospel na faixa-título, Prince em "Love Song", desenhos da Disney em "Dear Jessie". Até Erotica, ela nunca tinha ousado tanto. O resultado é uma obra-prima - e, finalmente, o reconhecimento dos críticos.
de virar do avesso >>> Like a Prayer, Till Death do us Part, Cherish, Oh Father
Este provavelmente é seu disco favorito da Madonna se você tem muitos traumas familiares no passado

Erotica (1992)
Provavelmente o disco menos compreendido de Madonna. Por baixo do pacote que foi esse álbum + o livro Sex + o filme Corpo em Evidência, está uma seleção de músicas muito boa, que fica mais pro sensual que pro sexual. Letras ousadas convivem com arranjos fabulosos (o que é "Secret Garden"?), neste que musicalmente pode ser considerado o disco mais "pesado" de Ms. Ciccone.
de virar do avesso >>> Deeper and Deeper, Where Life Begins, Waiting, Secret Garden
Este provavelmente é seu disco favorito da Madonna se você é fã de um chicotinho - ou sempre sonhou com uma pista de dança como a mostrada no clipe de Deeper and Deeper

Bedtime Stories (1994)
A maioria dos fãs não curte tanto assim esse disco. Mas eu, como fã de R&B, sempre achei esse um dos melhores - é Madonna cool, elegante, sem ser careta. Até Babyface consegue aparecer sem estragar o resultado. As músicas animadas são mais pra se ouvir antes de sair de casa (como "I'd Rather be Your Lover" e seu baixo matador), e os momentos mais calmos destróem (principalmente "Inside of Me"). Um disco a ser (re)descoberto.
de virar do avesso >>> I'd Rather be Your Lover, Inside of Me, Forbidden Love, Sanctuary
Este provavelmente é seu disco favorito da Madonna se você é uma diva, mas se diverte tanto num Chateau Marmont quanto num muquifo qualquer, desde que bem acompanhado(a)

Music (2000)
Meu álbum favorito da véia. Começa destruindo com a faixa-título. Mas quem ouve esperando uma bomba pras pistas quebra a cara: os pontos mais altos do disco são quando Madonna pega o violãozinho e vira uma singer-songwriter das boas, seja declamando o amor ("I Deserve It"), seja encarnando Sheryl Crow ("Don't Tell Me") ou pregando a auto-afirmação mesmo com falhas ("Gone"). As letras nunca foram tão boas, os arranjos nunca tão precisos. Coisa de gênio.
de virar do avesso >>> I Deserve It, Don't Tell Me, What it Feels Like For a Girl, Gone
Este provavelmente é seu disco favorito da Madonna se você sempre teve vontade de pegar seu carrinho e sair pela estrada, sem destino - mas com uma boa trilha sonora


Os Bastante OK

True Blue (1986)
O disco de maior sucesso da cantora. Os hits são impecáveis, e vêm aos borbotões, já começando com a dupla fenomenal "Papa Don't Preach" e "Open Your Heart". Mesmo "La Isla Bonita", convenhamos, é imortal. O problema são só algumas produções com excesso de influência da Xuxa, principalmente "Jimmy Jimmy" e seu insuportável refrão "Why oh why oh why oh why oh why oh why oh why" (!)
de virar do avesso >>> Papa Don't Preach, Open Your Heart, Live to Tell, Where's the Party
Este provavelmente é seu disco favorito da Madonna se você é mega fã das produções do Sullivan e Massadas

Ray of Light (1998)
Madonna no máximo do "A vida é tudo". Os singles são excelentes, alguns arranjos são belíssimos, mas esse disco ficou datado muito rápido. As produções do William Orbit, que em 1998 provocavam "Ooohs!" e "Aaahs!", hoje em dia provocam mais uns "Yawns". E o clima new age às vezes força a barra. Mas num total de 13 músicas, tem muita coisa boa aí. E qual pista resiste a "Ray of Light", ainda hoje?
de virar do avesso >>> Drowned World/Substitute for Love, Ray of Light, Nothing Really Matters, Mer Girl
Este provavelmente é seu disco favorito da Madonna se você tem algum(ns) discos da Enya na sua coleção - ou descobriu a música eletrônica quando ouviu a faixa-título

American Life (2003)
Outro disco que sofreu por causa de uma primeira impressão equivocada. A politicagem de araque está só no nome, na capa e na faixa-título. O resto é uma progressão natural de Music, com letras mais confessionais e arranjos que privilegiam o violão (nos melhores momentos, pelo menos). Mas há também as faixas mais electro que Madonna já fez, como "Nobody Knows Me" e "Mother and Father", com seus sensacionais vocais distorcidos. Se os americanos detestaram, uótever.
de virar do avesso >>> Nothing Fails, Intervention, X-Static Process, Mother and Father
Este provavelmente é seu disco favorito da Madonna se você acha que o importante é endurecer sin perder la ternura

Hard Candy (2008)
Onde Madonna se recupera do tropeço do disco anterior (Confessions on a Dancefloor), junta-se com os reis do R&B e posa de gatinha numa capa orroroza. Sorte dela que as músicas boas são fenomenais: "Heartbeat" é a "Into the Groove" dos anos 00, "Miles Away" encanta com um refrão triste, e "Incredible" é, ai, incrível. Na segunda metade o disco cai nitidamente, mas os pontos altos são estratosféricos. E o mais importante: a cantora conseguiu não perder a personalidade no meio de tantos egos.
de virar do avesso >>> Heartbeat, Miles Away, She's Not Me, Incredible
Este provavelmente é seu disco favorito da Madonna se você gosta do doce 'n' grudento (ou seja, de um bom dum R&B - olha a mente poluída!)


Os Leesho (brincadeira, a Madonna não tem nenhum álbum leesho, só alguns que estão abaixo do nível de qualidade dos outros)

I'm Breathless (1990)
Não é ruim. Mas os vocais esganiçadinhos da cantora incomodam em coisas como "Cry Baby", e faixas como "Back in Business" e "Now I'm Following You" soam inofensivas. Mas dá pra aproveitar várias coisas: a oscarizada "Sooner or Later", a safadinha "Hanky Panky", e a materialista "More" - que berra por uma versão hardcore! Paramore, cadê você pra descobrir esse tesouro escondido? ("Vogue" não conta, porque não tem nada a ver com o disco)
de virar do avesso >>> He's a Man, Sooner or Later, More, Vogue
Este provavelmente é seu disco favorito da Madonna se você sonha em viver em uma época mais burlesca, bebendo um martini, assistindo a uma cantora entoando um standard num bar

Confessions on a Dancefloor (2005)
O nadir na carreira de Madonna. A fase VDC (Velha de Collant, apelido carinhosamente dado por mim) chega a ser vergonhosa em alguns momentos ("Isaac" é o lixo mais lixo que ela já fez; "Forbidden Love" quer ser Air, mas está mais pra Fart). Não é uma desgraça completa, no entanto: os singles são todos impecáveis - principalmente "Get Together" e "Jump". O difícil é aguentar hordas de pós-adolescentes falando que esse é o melhor disco dela! Ah, vai ouvir Fergie.
de virar do avesso >>> Get Together, Jump, How High, Push
Este provavelmente é seu disco favorito da Madonna se você tem menos de 25 anos, e começou a descobrir "a vida" (olha o eufemismo!) ao som de Hung Up e Sorry

quinta-feira, 7 de agosto de 2008

Encarnação do Demônio (2008)



Não sou especialista em Zé do Caixão. Longe disso. Antes de ver este Encarnação do Demônio, só tinha assistido a um filme dele, a coletânea de três curtas O estranho mundo de Zé do Caixão. A impressão que tinha ficado pra mim era a de que, mesmo com todas as limitações - baixo orçamento, atores amadores (no mínimo) e uma parte técnica no geral tosca -, o cineasta José Mojica Marins gostava profundamente do gênero terror. Gostava do que o terror provoca, de como ele é o gênero mais visceral que existe - e, por isso mesmo, as vísceras deviam ser expostas, atacadas, de uma forma que provocasse também a mente. Isso é muito evidente no terceiro conto do filme, protagonizado pelo próprio Mojica.

Encarnação do Demônio é José Mojica Marins com um orçamento decente, após 40 anos de tentativas frustradas de terminar a trilogia iniciada por À meia-noite levarei sua alma e seguida por Esta noite encarnarei no teu cadáver. Desde o início da película, o que mais me surpreendeu foi como o Zé do Caixão popularesco, aquele velho de unhas gigantes, apresentador do Cine Trash, rodeado de "pombas-giras" de maiô vermelho, é uma figura pop e quase cartunesca, passando longe do Zé do Caixão dos filmes. O Zé dos filmes é sádico, esperto, muito mais interessante que os policiais que o perseguem. E também assustador.

Em uma entrevista anterior ao lançamento do filme, Mojica disse que seu filme não tinha "nada a dever a Jogos Mortais". E Seu Mojica está certíssimo. Enquanto a série de Hollywood virou apenas uma bobagem do tipo mostrar-a-morte-mais-grotesca-possível, numa embalagem editadíssima e com imagem cuidadosamente suja, o filme do diretor brasileiro é quase barroco em sua realização. É muito mais orgânico, e por isso mais impressionante. A platéia pode rir de alguns palavrões, dos discursos do Zé do Caixão, até de algumas atuações (que não são tão ruins assim), mas quando começam a aparecer as torturas na tela, o silêncio e o respeito imperam. Na sessão que eu fui, a platéia bateu palmas ao final da primeira sequência de tortura. Tudo bem que era uma pré-estréia e o próprio Mojica estava presente, mas foi emocionante e divertido.

Talvez o segredo seja a parcimônia com que os efeitos especiais são usados. Em várias sequências, Mojica simplesmente filma a "realidade", por assim dizer - tenho certeza que várias das cenas mais absurdas, como um homem sendo suspenso por ganchos ou uma mulher que tem a cara enfiada num tonel de baratas - aconteceram de verdade. Muito mais impressionante que efeitos especiais, por melhores que sejam. E ainda tem as falas sensacionais, que já entraram pra história. Como quando o Zé diz: "Matei suas tias. O que você vai fazer?". E a sobrinha responde, lasciva: "Serei sua". MARAVILHOSO!

sábado, 2 de agosto de 2008

Estamos bem mesmo sem você (Anche Libero Va Bene, 2006)



Um pai e um casal de filhos desestabilizados com a instabilidade da mãe, que sai de casa, some e volta, arrependida. Mais de uma vez. O pai que trata mal os filhos sem saber, descarregando neles a raiva pelo sumiço da mulher. Será mesmo que toda a culpa do comportamento do pai é mesmo a mãe que vai e volta? E o comportamento aparentemente estóico do jovem Tommi, será que quer dizer realmente que ele tem uma cabeça "boa para uma criança"?

Não, o comportamento da mãe não justifica as ações do pai. Não justifica os ataques de raiva contra o menino. Nem justifica dizer coisas como "Você não é meu filho". Como fica bem claro na cena do camelo, quando a família está toda reunida, o pai é escroto mesmo quando deveria estar feliz. O filme não deixa claro quais as consequências que Tommi vai enfrentar, vivendo nesse ambiente depressivo (e deprimente). Mas a cena final deixa muito claro: mesmo que a mãe tenha um comportamento nada exemplar, ninguém trata Tommi tão bem como ela. E o fato de ela não estar presente é devastador para Tommi, e devastador para quem assiste.