quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Não são só memórias



Ouvindo esse disco da Elba Ramalho, Coração Brasileiro, tantas memórias da minha infância retornam. Memórias do vinil, de virar o lado do disco. De olhar a contracapa e me divertir com as várias Elbas (precursora de Strange Little Girls, da Tori Amos, como eu costumava brincar com um amigo). Ficar emocionado com a "Canção da Despedida". Ficar feliz porque ela cantava "Ai que saudade de ocê", em vez de "você". E memórias de como eu achava intrigante que a faixa que dava nome ao álbum tinha somente 15 segundos!

Meu pai uma vez me disse que, por mais que a gente mude com o passar dos anos, aquilo de que gostávamos na infância vai estar sempre lá, num lugar reservado e particular. Intocável. Talvez a gente sinta vergonha, mas quem for honesto consigo mesmo vai sentir uma coisa boa, uma mistura de alegria, melancolia, êxtase. Foi o que eu senti ouvindo esse disco da Elba, que finalmente consegui em CD (obrigado, Anderson).

E quem sabe, às vezes quem ouvir também dê uma choradinha ouvindo os seguintes versos de "Ai Que Saudade De Ocê":

E se quiser recordar
Aquele nosso namoro
Quando eu ia viajar
Você caía no choro
Eu chorando pela estrada
Mas o que eu posso fazer?
Trabalhar é minha sina
Eu gosto mesmo é d'ocê

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Anticristo (Antichrist, 2009)



Ó Lars Von Trier, por onde começar a destrinchar sua mais recente travessura? Porque quem levar Anticristo extremamente a sério provavelmente vai ficar ofendido com o filme. E Von Trier é, antes de tudo, um provocador. Um provocador fodaço e genial, diga-se.

A travessura começa cedo: logo nos primeiros minutos de filme já somos brindados com um close de uma penetração. Totalmente gratuito. Mas o prólogo inteiro, filmado todo em câmera lenta e em magnífico preto-e-branco, é uma brincadeira do diretor. O que ele quer: confundir o público? Ironizar a imagem do sexo perfeito, quente, que derruba coisas pela casa? Eu não tenho a mínima ideia (mas acho que nunca a morte de uma criança foi tão bonita de se ver).

Daí pra frente, o filme tem muito da típica câmera na mão do diretor - e seus cortes ao fim das frases - com alguns momentos de imensa beleza plástica (não à-toa, esses momentos sempre são filmados em câmera lenta). Mesmo que alguns desses momentos envolvam animais com crias natimortas.



Mas chega de falar do visual de Anticristo. Durante dois terços de sua duração, o filme é quase cerebral e quase lento, mostrando as tentativas de recuperação da mulher que se sente culpada pela morte do filho. O marido, que é terapeuta, se incumbe de "curar" a dor da mulher. Para isso, ele a submete a jogos e experiências. Para ele, a mulher só vai superar a experiência ao se submeter ao que sente mais medo. No caso, o medo supremo da mulher é a floresta onde o casal possui uma cabana. Num simbolismo nada sutil, a floresta é chamada Éden.

Os jogos propostos pelo marido carregam bastante de tortura psicológica, lugar-comum nos filmes do diretor. Mas aqui, como o objetivo é muito mais nobre, o espectador tente a "aceitar" as propostas do terapeuta. No entanto, quando a mulher enlouquece e começam as famigeradas cenas de mutilação, dá pra se perguntar: seria essa a revolta da violência física perante a violência psicológica? Seria a revolta da natureza - o caos, o instinto - contra a razão humana?

O diretor trabalha um monte de ideias polêmicas em Anticristo: a natureza é o mal absoluto. O sexo é a raiz do mal. A mulher é um ser essencialmente maligno. Os protestos de que este é um filme misógino não são exagerados. Mas, novamente, quem levar o diretor a sério demais vai se estressar à toa...

"E as cenas de violência explícita? Fala delas! São absurdas mesmo?" Sim, são. Tem coisas em Anticristo que eu nunca tinha visto em filme algum. Há um ato específico que me deixou encolhido na cadeira (pra quem viu: não é nenhum dos atos que envolve órgãos genitais). É necessário ser tudo tão explícito? Lógico que não. Mas lembra o que eu disse no início? Estamos diante de um provocador. Que faz o que quer, na hora em que quer. Somente isso já faz de Von Trier um diretor absolutamente necessário.

(Não sei se Von Trier leu Personas Sexuais, de Camille Paglia, antes de fazer este filme. Mas ele compartilha muitas das ideias da escritora)

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Uma Prova de Amor (My Sister's Keeper, 2009)



A melhor razão pra assistir o DRAMA que é Uma Prova de Amor está bem no meio da foto acima. Que me desculpem Cameron Diaz (que simplesmente não convence muito no papel da mãe obstinada e turrona) e Alec Baldwin (que está ótimo), mas Joan Cusack, quando aparece, coloca todo o elenco no bolso.

Eu não tenho nada contra um bom melodrama, mas aqui o problema é a forçação de barra. Seja nas inúmeras situações e diálogos feitos pra plateia verter lágrimas ("Quando eu for pro céu, como vou te achar?"), seja na trilha sonora praticamente inteira feita de canções de pianinho ou violão, daquelas bem pausadinhas e melancólicas (salva-se "Better" da Regina Spektor e Jimmy Scott, que sempre é foda - ainda mais cantando Talking Heads), o filme quer te fazer chorar MUITO. Só que Nick Cassavetes não é Lars Von Trier, e o resultado é bem mazumeno.

Tudo muda quando Joan Cusack aparece. Na primeira cena dela, a sensação é de estranheza: vivendo uma juíza que perdeu uma filha recentemente, Joan mexe o rosto todo, como se sofresse de meia dúzia de tiques nervosos. Se é atuação ou se é ela mesma, não sei. Mas quando a personagem de Abigail Breslin começa a mexer com algumas fotos da filha, Joan simplesmente congela o rosto. Os olhos ficam completamente negros. Não demora e o brilho das lágrimas é tudo que se mexe no rosto dela. É magnífico de se ver. Isso sim me fez chorar um bocado.

(Tá, pra não ser tão cricri assim com o filme, eu admito outra coisa: Sofia Vassilieva também está excelente como a adolescente com leucemia)

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Up (2009) em tópicos



- O início é mesmo uma tristeza só.
O começo do filme - que eu não vou contar aqui - é praticamente uma unanimidade mundial. Como disse o Box Office Prophets, "Up makes everyone cry". E é isso mesmo. Acho difícil alguém não ficar emocionado com o início absolutamente simples, mas perfeito, do filme. Não há nenhuma tragédia, nem melodrama. Eu até poderia dizer que é "simples como a vida", mas essa frase parece tirada da imaginação de algum publicitário de mau gosto. E desde quando a vida é simples? Enfim. A palavra certa para o início de Up provavelmente é "perfeição". Levem lenços.

- Uma proeza: há uma criança falante e hiperativa, mas que também é adorável.
Não sou o ser mais paciente com crianças, sejam animadas ou reais. Mas o pequeno Russell é um fofo, desde a primeira cena. O fato de ele ser escoteiro só me fez gostar ainda mais dele (eu fui escoteiro por vários anos). Quando ele acha uma ave gigante e decide chamá-la de KEVIN, eu já estava completamente encantado por ele.



- Tá, eu amo cachorros e sou suspeito, mas tem como não ADORAR o Dug?
Dug já surge em cena com uma surpresinha que enche de charme um personagem sensacional (a voz da dublagem é a mesma do Matthew Broderick em "Curtindo a Vida Adoidado", o que só deixa as coisas mais divertidas). Responsável por duas das frases mais fofas do ano - as duas envolvendo "eu te amo" -, Dug ainda tem como "companheiro" um certo cachorro Alfa... que é responsável pelas cenas *mais* engraçadas de 2009. É ver pra chorar de rir. E Alfa é um vilão!

- É o melhor filme da Pixar?
Esse é um dos maiores desafios do cinema atual - descobrir qual o melhor filme do estúdio. Boa sorte ao tentar! É uma tarefa divertida, mas talvez impossível...

terça-feira, 8 de setembro de 2009

A Órfã (Orphan, 2009)



O quanto um final ruim pode estragar um filme que até então estava bom? No caso de A Órfã, provoca quase a ruína completa. O filme estava bom, bastante interessante, com poucos sustos fáceis. Desde o início, a história do casal Kate e John prende a atenção pelos motivos certos: ótimas atuações (Vera Farmiga, em especial, está brilhante), situações de tensão real, um diretor que sabe mover a câmera de maneira criativa.

Após uma sequência angustiante num hospital, descobrimos que Kate e John querem adotar uma menina. Lá vão eles para um orfanato, onde conhecem a adorável Esther. Esther tem 9 anos e é a verdadeira menina de ouro: fofíssima, pinta quadros lindos, inventa histórias bonitas, é super gentil e parece ter recebido aulas de etiqueta da Rainha da Inglaterra. Ou seja, todo fã de filme de terror sabe que estamos diante do capeta encarnado.

Mas Esther sabe manipular as pessoas - e até chora de verdade! O filme vai caminhando muito bem, explorando situações ousadas (a filha mais nova do casal é testemunha de crimes hediondos). Só que as artimanhas de Esther começam a ir longe demais, e ultrapassam o limite do plausível: você é um pai de família e prefere acreditar numa menina que você adotou há meses, ao invés de acreditar na sua mulher de pelo menos uma década? OI?

Tá, tudo bem, é cinema e a gente se diverte com os absurdos. Mas aí vem a explicação chocante para todo o mistério que envolve Esther. E quando eu digo "chocante", é porque é mesmo um choque: é uma das coisas mais ridículas da década, no mínimo. Fico imaginando os roteiristas se achando GÊNIOS!, quando na verdade é o completo oposto. É tão absurdo que eu gargalhei durante os 20 minutos finais do filme. Gargalhei com gosto. Ao fim do filme, eu estava tão chocado que não sabia se tinha visto uma grandíssima m**** ou a coisa mais surrealista do século (agora sei que concordo com a primeira opção). O fato é que não consigo tirar o filme da cabeça desde então. Antevejo um futuro cult movie.