domingo, 20 de novembro de 2011

Trabalhar Cansa



O trabalho endurece o homem. Essa deturpação do ditado poderia muito bem ser aplicada a Helena, a protagonista de Trabalhar Cansa. À medida em que vai administrando o mercado recém-inaugurado que montou, Helena vai ficando mais dura com os funcionários; se recusa a acreditar que um deles não está roubando produtos; passa a revistar a bolsa de uma caixa de comportamento exemplar; trata mal o marido desempregado. Mas essas atitudes não dominam a história, e a mudança na atitude de Helena não é mostrada do modo mais óbvio. Essa é uma das melhores qualidades de Trabalhar Cansa: o filme não quer enfiar nada goela abaixo do espectador. As mudanças de Helena, por exemplo, podem ser conferidas em sutilezas que enriquecem a obra: como uma simpática placa de "volte sempre" é substituída por um seco sinal escrito "saída", por exemplo.

Trabalhar Cansa não é um filme fácil. É lento, e deixa várias coisas sem explicação. Mas tem uma qualidade rara no cinema nacional: é intrigante. O que aquela mancha na parede quer dizer? E uma foto encontrada no supermercado vazio? Assim como um bom David Lynch, é filme pra ser discutido com os amigos depois. Por isso o fato de o filme ter entrado em cartaz em BH em apenas uma sala, em um horário, é frustrante. Mas não deixe isso te desanimar. É raro um filme nacional ser original assim sem ser pretensioso.



Confesso que saí da sessão sem entender várias coisas. Mas, graças a contatos com pessoas diretamente envolvidas com o filme, entendi algumas coisas e gostei ainda mais do que vi. Ok, eu sou da opinião que um filme deve ser apreciado por si só, sem explicações do diretor ou da equipe. Mas e quando a explicação enriquece muito a obra? Não é o mesmo quando um artista diz o que está por trás de uma canção, e você passa a achar a canção três vezes mais foda? E eu sou uma pessoa que adora discussões pós-filme: sou daqueles que nunca adivinham quem é o assassino na série Pânico, e nem desconfiei da reviravolta de O Sexto Sentido (agora eu posso queimar meu filme por completo e dizer que demorei 10 minutos para perceber que a personagem de Bryce Dallas Howard em A Vila é cega. Adeus, credibilidade!).

Isso tudo é minha forma de te convencer a assistir Trabalhar Cansa. Desde o título ótimo, é um filme instigante. Num ano em que o cinema nacional foi bem mais ou menos (na minha opinião), eis aqui uma obra que encasquetou de ficar na minha cabeça. E se você assistir e quiser gritar comigo, "Então me explica aquela disgrama de foto!", eu o farei de bom grado.

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Toda Forma de Amor (Beginners)



A premissa de Toda Forma de Amor é simples e inusitada: Oliver acaba de perder o pai, vítima de câncer. Logo após a morte da mulher, cinco anos antes, Hal assumira a homossexualidade para o filho. Ao mesmo tempo em que Oliver conhece a charmosa atriz Anna, ele rememora momentos desses últimos cinco anos ao lado do pai.

É uma história simples porém complexa, como diz um amigo meu. Um filme mais convencional teria vários momentos de confronto entre pai e filho; filho acusando o pai de enganar a mãe; pai tentando reconquistar o amor do filho; charmosa atriz chocada com a revelação do sogrão. Mas Toda Forma de Amor (até curto essa tradução, mas somente por causa da referência a Lulu Santos) não é um filme comum! Seja pelo elenco brilhante, pelos diálogos muito bem escritos ou pelo fato de que temos um cachorro que conversa com o protagonista.

O fato de Hal se assumir gay é apenas mais um elemento na história; uma característica até então desconhecida para seu filho. O efeito seria o mesmo se, digamos, Hal tivesse uma amante e decidisse morar com ela após ficar viúvo. O filme não trata a condição sexual de Hal como tema principal. Mais importante é mostrar como a nova alegria de viver de Hal - incluindo um namorado mais novo e muito amoroso - afeta a vida do próprio Oliver.



Relembrando os momentos compartilhados com o pai doente - e também memórias de infância, com a mãe de humor peculiar -, Oliver tenta lidar com o fato de que, aos 38 anos, está se descobrindo apaixonado de novo pela bela Anna. É possível aos 38 anos ainda se apaixonar de forma completamente aberta? Vale a pena encarar o fato de que somos sempre iniciantes (como diz o título original) no amor, ou é melhor usar todas as decepções passadas como armadura?

Otimista e esperançoso como é, Toda Forma de Amor aposta na primeira opção. Não há um pingo de cinismo no filme - o que é um oásis em meio a tanta comédia romântica malfeita que existe por aí. O protagonista não precisa de um antagonista (sinceramente, em quantas situações na vida real existe um "vilão" para atrapalhar o romance nosso de cada dia?); os problemas estão dentro de nós. O trio principal de Toda Forma de Amor quer somente as coisas mais simples: ser feliz. Ter momentos bobos/divertidos/hilários, como todo casal inteligente. E o filme de Mike Mills está cheio de momentos assim. É pequeno na apresentação, mas tem um coração gigantesco, absurdo de pulsante.

E eu falei do cachorro que conversa com Oliver?

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Gigantes de Aço (Real Steel)



Uma das qualidades de Gigantes de Aço é que, logo de cara, o filme já diz ao espectador se ele vai ou não gostar do que vai assistir. Temos uma arena de rodeio, Hugh Jackman, e um duelo entre um touro bravio e um robô. A ideia é tão absurda que ou você acha ridículo ou pensa, "Esse filme vai ser uma pândega!". Eu fui com a segunda opção.

Gigantes de Aço é uma espécie de atualização daquele tipo de filme trash que o Stallone fazia nos anos 80, sobre um cara durão que descobre que tem um filho e acaba amolecido pela fofura da criança. Aqui acontece a mesma coisa, mas com todo o carisma de Hugh Jackman e o talento do garoto Dakota Goyo, que é fofo na medida certa (e tem o entusiasmo infantil na medida certa também). E os efeitos especiais dos robôs são muito bons.

A gente já sabe tudo que vai acontecer, e o filme tem um monte de clichês pra fazer o espectador ficar emocionado/passar raiva/gritar YES!. Mas se tudo isso é divertido e bem feito, qual o problema? E algumas coisas são tão absurdas que adicionam charme sem noção ao filme: o brutamontes Charlie (Jackman) chega a vender o filho! Alô, Central do Brasil!

Com um duelo final que traz Rocky para o campo dos filmes de ficção, Gigantes de Aço é uma grata surpresa. Mas deixe o gosto refinado de lado. O que é servido aqui é um bom pratão de arroz, tropeiro e batata frita. E se algum torresmo a princípio tem um aspecto duvidoso, pode comer que é delícia. Você não gosta de torresmo? Sai daqui!