sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

Os melhores filmes de 2012


Foi estranho selecionar os filmes para essa lista. Depois de viver 3/4 de 2012 na Alemanha, os filmes vistos no Brasil nos três primeiros meses do ano parecem muito distantes. Não só isso: eles parecem ter sido vistos em outra realidade. Ok, eu sei que foram. Mas digo "outra realidade" em mais de um sentido. No Brasil, vi os filmes todos com legenda em português; compreendi tudo que foi dito. Já na Alemanha, os filmes que vi no cinema foram vistos ou sem legenda alguma, ou com legendas em alemão. Óbvio que algumas coisas ditas passaram em branco. Em alguns casos, isso não interferiu no prazer proporcionado pelo filme (caso de Cloud Atlas, por exemplo - mesmo não entendendo quase nada da história de Tom Hanks + Halle Berry no futuro, adorei o filme); em outros, tenho certeza que teria gostado mais do filme se tivesse conseguido acompanhar todos os diálogos. 
De qualquer forma, essa lista agrupa filmes lançados em 2012 no Brasil e aqui na Alemanha, não importa se vistos no cinema ou em casa. Tem até filme visto em alemão, sem legenda! Algumas coisas não consegui ver ainda (Magic Mike e Amour, pra ficar em dois exemplos); mas no geral estou bastante satisfeito com essa lista. Ir ao cinema - mesmo sozinho; mesmo lutando pra entender o que foi dito na tela - continua sendo uma das formas mais eficientes de manter minha sanidade.

20 >> O Espião que Sabia Demais (Tinker Tailor Soldier Spy)


Lembro de pensar, logo que a sessão de O Espião que Sabia Demais acabou (isso em janeiro de 2012!), que tinha acabado de assistir o primeiro grande filme do ano. Teve amigo dizendo que dormiu durante o filme; outro disse que a obra era "inteligente demais" pra ele. Entendo perfeitamente as críticas. Eu mesmo não consegui acompanhar tudo que se passou. Mas fiquei hipnotizado durante todo o tempo; maravilhado com a aula de técnica exibida durante todo o filme. Tudo é exemplar, tudo funciona. Há ao menos meia dúzia de cenas geniais de tensas; o elenco é uma baciada de atores talentosíssimos (Gary Oldman merecia o Oscar a que foi indicado; Benedict Cumberbatch merece a palavra "fascinante"). Com certeza é muito mais intelectual que o filme anterior do diretor Tomas Alfredson, a obra-prima Deixa Ela Entrar; talvez por isso não tenha obtido o reconhecimento merecido.


19 >> A Perseguição (The Grey)


O "filme onde Liam Neeson enfrenta lobos". É assim que A Perseguição foi resumido no mundo todo - mas principalmente por quem não viu o filme. E quem foi ver o filme esperando apenas Liam vs. lobos com certeza se surpreendeu. A Perseguição é muito mais profundo e melancólico do que aparenta. Com um punhado de flashbacks maravilhosos, o filme se aproxima do que aconteceria se Terence Malick resolvesse dirigir um filme de ação. É sobre encontrar razões para sobreviver, quando aparentemente não resta mais nada. É sobre honrar aqueles que nos amam, mesmo quando eles já se foram. É sobre inverter as expectativas e encher de profundidade uma obra que poderia ser apenas um passatempo divertido. E é sobre Liam Neeson, um raro ator que não precisa falar muito para criar uma atuação forte e impactante.


18 >> As Aventuras de Pi (Life of Pi)


Confesso que fiquei surpreso com a reação dividida a esse filme. Teve muita gente detonando a abordagem espiritual, dizendo que dá sono, que parece catecismo de sábado de manhã etc. Pra mim, um dos grandes prazeres de A Vida de Pi, tanto filme quanto livro (pra quê mudar o título da obra para o sessão-da-tardezesco "As Aventuras de Pi"?), é justamente a abordagem "literal" da religião, sem querer pregar nada. Pra mim, quem ficou #chatiado com a abordagem da religião não entendeu muito bem a proposta do filme - principalmente do final. Mas mesmo para eles, como ignorar o espetáculo visual? Como ignorar o feito que é Richard Parker? E as inúmeras cenas inesquecíveis? Ang Lee, cujo nome do meio poderia muito bem ser Ecletismo, domina totalmente uma obra dificílima - e de quebra apresenta ao mundo um talentosíssimo novo ator chamado Suraji Sharma.


17 >> Martha Marcy May Marlene


"Lavagem cerebral" deve ser um dos temas mais difíceis de serem transportados para a tela grande. De forma séria, digo. Pois Sean Durkin, estreante na direção de longas, conseguiu. Martha Marcy May Marlene é um suspense fascinante sobre os efeitos colaterais de se unir a um culto. Um dos grandes méritos do filme é criar tensão a partir de momentos insuspeitos, bucólicos; o espectador passa praticamente o tempo todo incomodado, mas sem saber muito bem definir esse incômodo. Elizabeth Olsen passa de "a irmã Olsen que ninguém conhecia" para "a ATRIZ" da família, numa atuação magnífica, com a força e presença de uma Maggie Gyllenhaal. John Hawkes, assustador como o líder do culto, não fica atrás. E num dos melhores finais abertos do ano, Martha Marcy May Marlene mostra que o terror não acaba quando os créditos finais surgem.

 
16 >> Shame


2012 foi o ano de Michael Fassbender. Durante os primeiros meses do ano, poucas coisas foram tão comentadas no mundo cinematográfico quanto sua atuação em Shame... e seu pênis. Claro que é divertido ler as piadas feitas por Charlize Theron e George Clooney, entre outros, mas ao ver o filme fica claro que a nudez do ator é totalmente pertinente. Nem é o caso de dizer que Fassbender "se desnuda" em todos os sentidos, mas sim o modo como o diretor Steve McQueen aborda o tema da compulsão sexual. O clima é frio e distante, perfeitamente refletido no apartamento de Brandon/Fassbender, no corpo esculpido e sem pêlos do ator, na decoração meticulosamente metrossexual. Quando a emoção transborda, ela surge forte e reprimida, como no choro silencioso ao som de "New York, New York". Shame não oferece respostas, nem soluções fáceis. E esse é talvez o maior mérito da obra de McQueen.


15 >> Indomável Sonhadora (Beasts of the Southern Wild)


(Ai, esses tradutores brasileiros) Indomável Sonhadora é o filho-de-Sundance safra 2012, e como é de costume atraiu inúmeros admiradores e também uma penca de detratores (basta pensar em Pequena Miss Sunshine, por exemplo). O que saltou da tela, para mim, foi uma obra original e cheia de energia. Poucas relações cinematográficas entre pai e filha conseguiram ser ao mesmo tempo tão duras e tão emocionais quanto o amor de Wink por Hushpuppy. E a impronunciável Quvenzhané Wallis desafia as convenções de "atuação infantil", mostrando uma determinação surpreendente. É fácil buscar referências para a obra de Behn Zeitlin: Terence Malick (ele de novo!), George Washington de David Gordon Green. Mas difícil é tentar resumir Indomável Sonhadora. Seja você um defensor ou um detrator da obra, é impossível não reconhecer toda a sua a originalidade.


14 >> Poder sem Limites (Chronicle)


Chega de filmes "found footage", né? O recurso foi muitíssimo bem utilizado recentemente em Cloverfield e na série Atividade Paranormal, mas um punhado de filmes imbecis de terror transformou o recurso numa chatice. Pois Poder sem Limites adicionou um tema totalmente oposto (ao menos em matéria de recurso$); o resultado foi o melhor filme de super-herói do ano. A premissa bastante simples - e se adolescentes de repente se vissem com super-poderes? - vira uma surpresa maravilhosa nas mãos de Josh Trank e sua equipe. Os efeitos especiais dão conta do recado; os atores estão todos excelentes; e a escalada de tragédia torna a obra triste de verdade. Afinal, os personagens são antes de tudo adolescentes comuns. E não é difícil imaginar que o que é mostrado na tela seria exatamente o que aconteceria se, hmm, adolescentes de repente tivessem super-poderes. Poder sem Limites merece, mais do que qualquer outro filme do ano, o título de "little film that could". 


13 >> A Invenção de Hugo Cabret (Hugo)


3D encheu o saco oficialmente? Boa parte dos cinéfilos está pronta para responder "sim". Talvez tenha mesmo. Mas quando se vê o que um diretor como Martin Scorsese é capaz de fazer com o recurso... Adeus, argumentos contrários. Hugo é um assombro de 3D, realmente acrescentando uma nova dimensão à obra. Mas Hugo também é o que se espera de Scorsese: domínio completo de técnica, um UAUH! permanente na mente e no coração enquanto se assiste. E Hugo é, finalmente, uma das homenagens mais afetuosas ao cinema, orquestrada por um diretor que realmente ama o que faz. Não é preciso ser cinéfilo para gostar do filme. Mas com certeza cinéfilos de todo o mundo se sentiram especialmente abraçados com a homenagem de Scorsese ao gênio Georges Méliès. Para mim, este foi o grande filme indicado ao Oscar 2012. 


12 >> Compliance


Muito filme atualmente exibe aquele "inspirado em fatos reais" no começo da narrativa. Muitas vezes a gente sabe que isso é uma tremenda bobagem (e o tanto de filme de terror que usa esse recurso?). Em Compliance, é difícil acreditar que aquilo tudo realmente aconteceu. Não porque esse seja um filme de terror. Mas sim porque a escalada de absurdos - cujo começo é um simples telefonema, onde um policial acusa uma funcionária de lanchonete de roubo - é inacreditável. É como se Lars von Trier e Michael Haneke tivessem colaborado no roteiro. Mas daí você faz uma pesquisa e vê que sim, aquilo tudo aconteceu. Mais de uma vez. Então Compliance torna-se ainda mais perturbador, mais bizarro, mais inacreditável: eu queria continuar duvidando da história, dizendo "não" para mim mesmo, mas não tinha como. Compliance, no fim das contas, acaba se revelando o pior tipo de terror: o da vida real.


11 >> Die Wand


Um filme falado em uma língua que você não domina, e sem legendas. Foi assim que assisti Die Wand ("A Parede") nos cinemas. Mas só fui porque tinha lido o livro, e sabia o que aconteceria. Mas ainda assim: se o filme não conseguisse reproduzir a força da obra (um dos melhores que li nos últimos anos; vale a pena comprar em inglês na internet), seria totalmente frustrante para mim. Pois conseguiu. A premissa é inquietante: durante uma viagem curta ao interior da Áustria, uma mulher se vê presa por uma parede invisível. Pronto. Não há explicações. Não há discussões filosóficas. Há somente a força das palavras da autora Marlen Haushofer; o poder das imagens (todas as cenas com a parede são inesquecíveis); a atuação brilhante de Martina Gedeck; e a fidelidade de um cão. Falar mais é diminuir o impacto de uma obra onde quase nada acontece. Mas quando o final chega - e estamos diante de um dos finais mais chocantes da safra recente -, aquela pergunta sem resposta me deixou devastado. Por quê?


10 >> A Cabana na Floresta (The Cabin in the Woods)


Quantas vezes a gente pode dizer que um filme realmente subverte expectativas? E brinca com inúmeras regras e clichês de um gênero? E quando faz as duas coisas, de forma genial? A Cabana na Floresta consegue isso tudo - e por isso já é um caso único no cinema recente. Enquanto o gênero dos filmes de terror padece cada vez mais de criatividade, A Cabana na Floresta exibe criatividade suficiente para uns cinco excelentes terrorzões. Os roteiristas Drew Goddard (também diretor) e Joss Whedon (rei das bilheterias com Os Vingadores) pegam uma das premissas mais básicas do gênero - explícita no título - e em questão de minutos já jogam por terra o esperado. A partir daí, A Cabana na Floresta mistura maravilhosamente terror, tensão, comédia e ação; e como se não bastasse, brinca com a metalinguagem de uma forma que desde Pânico não se via. Será esse o melhor filme de terror da década até agora? Não duvido.

  
09 >> Prometheus


Um dos filmes mais esperados do ano; uma das maiores decepções do ano. Não fui eu que disse - é quase um consenso na internet. Consigo entender a maior parte das reclamações: a cena com a "cobrinha espacial" é mesmo dispensável; o "corre pro lado e vê se não morre!" é bobo, mas não me incomoda. Mas Prometheus me deixou tão fascinado que só consigo pensar nas coisas boas. Noomi Rapace criando uma Ripley muito mais frágil que a de Sigourney Weaver; Michael Fassbender sensacional como o andróide David; a sequência inicial, uma das coisas mais bonitas que vi esse ano; e a já histórica sequência da cirurgia. Talvez eu goste tanto do universo Alien que acabei perdoando as falhas do roteiro. Ou talvez simplesmente Prometheus seja, para mim, um filme fantástico. Quando eu penso que este foi o único filme que assisti duas vezes no cinema em 2012... É isso mesmo.


08 >> Jogos Vorazes (The Hunger Games)


Às vésperas da estreia de Jogos Vorazes, eu estava quase igual a um fã dos livros Crepúsculo: tenso, ansioso, gritando pra quem quisesse ouvir meu amor por Katniss e cia. Fui logo no dia de estreia, primeira sessão. Grandes chances de decepção, certo? Certo. Mas não foi o que ocorreu. A obra de Suzanne Collins foi levada para as telas de modo primoroso (não atrapalha o fato de a própria Collins ter colaborado no roteiro). Figurinos e cenários maravilhosos à parte, o que mais impressiona em Jogos Vorazes é a escolha certeira do elenco. De uma Jennifer Lawrence perfeita como Katniss, passando pelos coadjuvantes de ouro Elizabeth Banks, Stanley Tucci e Donald Sutherland, todo mundo brilha. Esse é um dos raros casos em que um filme imensamente popular com adolescentes vale realmente o quanto pesa. E a cena da foto, em que o gesto de Katniss provoca reações inesperadas na audiência, foi para mim um daqueles momentos de arrepiar o corpo inteiro e levar às lágrimas.


07 >> Kill List


Eu sempre gosto de saber um pouco sobre um filme que estou para assistir. Mas de vez em quando é bom assistir algo sem saber de nada, apenas com a expectativa de ver um bom filme. Kill List foi assim. Eu sabia que era um policial, sobre um assassino de aluguel com uma, hm, lista de pessoas para matar. Pronto. O que eu vi foi muito mais que isso. É uma obra desnorteante, soturna como um David Lynch, mas com aquele humor negro tipicamente inglês. O diretor Ben Wheatley não dá muitas pistas sobre o que está por vir, e melhor assim: os caminhos que o filme percorre me deixaram tão desnorteado quanto Jay, o pobre protagonista. Os 20 minutos finais são uma loucura, e quando o filme acabou eu provavelmente estava de boca aberta de verdade. Tendo já visto o filme seguinte do diretor, o sangrento Sightseers, me junto ao coro dos admiradores fervorosos de Ben Wheatley. Assista Kill List sem saber muito e se surpreenda também.


06 >> Looper: Assassinos do Futuro (Looper)


Eu amo A Ponta de um Crime (Brick), o primeiro filme de Rian Johnson. É daqueles filmes que sempre quero ver de novo. Sua obra seguinte, Vigaristas (The Brothers Bloom), tem uma primeira metade excelente mas um final canseira. Eis que Looper finalmente levou Johnson para o primeiro escalão. Assim como em Brick, Looper me deixou em êxtase, tamanha a criatividade do roteiro. O que parecia ser "apenas" uma ótima ficção científica segue caminhos inesperados (aqui também, fui abençoado por não saber muito sobre a história) e adiciona emoção à história. Joseph Gordon-Levitt mostra mais uma vez que é provavelmente o ator que melhor seleciona roteiros na atualidade; a sempre cativante Emily Blunt é o coração da trama. Looper é daqueles filmes que me fazem querer dizer: "Eu amo o cinema!", tamanho é o prazer que se tem ao assistir.


05 >> Jovens Adultos (Young Adult)


Não sou dos maiores fãs de Juno, o roteiro mais celebrado de Diablo Cody. Acho espertinho demais, e sem muita base na realidade. Pois em Jovens Adultos a roteirista foi fundo - e criou uma das obras que gerou mais comentários "como eu me identifiquei com esse filme" em 2012. A Mavis de Charlize Theron (rainha das telas durante todo o ano) é fútil, egoísta e superficial; ainda assim, muita gente se viu nela. Se no fim das contas a gente torce mesmo é por ela, o mérito é da atuação estupenda de Charlize. Mesmo confrontada com seus defeitos, Mavis prefere viver com eles do que se encaixar em uma vida que despreza - suburbana, de comercial, monótona. Família? Por que famílias são vistas como o objetivo final? Filhos? Oi? Essa é Mavis. Uma mulher que se acha melhor do que todo mundo à sua volta. Lógico que ela não é. Mas é um alívio ver um filme que não oferece redenção como solução. Ser adulto é mesmo difícil pra cacete, mas talvez o segredo seja... Sei lá qual o segredo. Diablo Cody também não sabe. E isso não importa.


04 >> Margaret


Margaret deveria ter sido lançado em 2007. No entanto, um longo processo de edição quase fez com que o filme nunca ficasse pronto. O diretor Kenneth Lonergan insistiu numa versão de três horas; o estúdio bateu o pé. Ações na Justiça, brigas e até Martin Scorsese foram envolvidos no processo. Em 2011, uma versão de 150 minutos foi lançada nos cinemas. Os críticos aplaudiram, mas criticaram a falta de continuidade e ritmo. Eis que em 2012 uma versão de três horas finalmente é lançada. E é um assombro de filme. Margaret é sobre uma adolescente que se envolve em um acidente de trânsito. As consequências do fato - que gera uma morte - vão definir Lisa (Anna Paquin, uma força da natureza) para sempre. O mais interessante em Margaret é que as três horas são absolutamente necessárias para a trama. Com elas, a alternância entre momentos calmos e momentos tensos/histéricos/furiosos reflete a vida. No universo de Margaret - o nosso universo -, estamos todos sozinhos, buscando desesperadamente que outras pessoas vejam as coisas pelos nossos olhos. Mas nós estamos dispostos a fazer o mesmo?


03 >> A Separação (Jodaeye Nader az Simin)


Quem diria que, em plena noite de Oscar, o meu filme favorito dentre todos os indicados seria o iraniano. Adeus, chatice interminável de Através das Oliveiras; olá, A Separação. O roteiro poderia ser estudado em escolas, já que é uma lição sobre a intolerância. Mas mesmo para quem não sabe muito sobre a situação do Irã (meu caso), A Separação é brilhante. Um pequeno incidente que toma proporções muito maiores; uma selva de personagens mentirosos, cada um tentando fazer seu ponto de vista valer a pena, e sinto-muito-se-te-prejudico (olha aí a questão de Margaret). O espectador pode escolher tomar o partido de Nader, de Simin, mas sabe que ninguém tem 100% da razão (e no fim das contas, são raras as ocasiões em que alguém tem 100% de razão, certo? Ainda assim não é raro a gente achar que tem). Um filme que atinge picos incríveis de suspense e tensão baseado praticamente em diálogos, A Separação é obra-prima absoluta. 


01 >> Guerreiro (Warrior
          As Vantagens de ser Invisível (The Perks of Being a Wallflower)



Um é sobre dois irmãos lutadores de artes marciais. O outro é sobre um adolescente tímido tentando superar suas limitações. Enquanto eu decidia qual dos dois era o melhor filme, acabei percebendo que ambos, embora totalmente diferentes, têm muito em comum. 
Em Guerreiro, o diretor Gavin O'Connor lança mão de um punhado de clichês para contar a história de dois irmãos marcados por um passado brutal. É claro que vai haver ao menos uma cena de confronto entre os dois; é claro que o pai alcoólatra vai sofrer uma recaída, e é claro que os dois irmãos vão acabar se enfrentando na final do campeonato. Pois O'Connor consegue fazer todos os clichês funcionarem maravilhosamente, e o resultado é um dos grandes filmes de esporte do cinema recente. Não sou nem um pouco fã do tipo de luta mostrado no filme - MMA, ou outra sigla do tipo -, mas as lutas de Guerreiro são todas carregadas de força emocional, também. Quando o taciturno Tommy (um perfeito Tom Hardy) entra no ringue e destrói seus adversários, o que vemos é um homem descontando no oponente todos os anos de maus-tratos que sofreu quando jovem. E o duelo final entre Tommy e Brendan (Joel Edgerton, igualmente brilhante) é capaz de levar qualquer machão às lágrimas, tamanho o impacto.
O Charlie de As Vantagens de ser Invisível também é capaz de usar a violência como válvula de escape. Mas quando isso acontece, Charlie se torna quase incontrolável, irreconhecível. Charlie é tímido, é adorável, sabe ser um grande amigo - mas isso não o ajuda na escola. Até que ele conhece os irmãos Sam e Patrick, e sua vida muda. Num feito raro, o escritor Stephen Chbosky conseguiu ele mesmo adaptar e dirigir a versão cinematográfica de seu (maravilhoso) livro. Com todo esse controle, seria um pecado se As Vantagens de ser Invisível, o filme, não fizesse justiça ao livro. Pois faz. Com um trio perfeito de atores (Logan Lerman, em especial, está impressionante como Charlie; seu rosto absorvendo as pessoas à sua volta, tentando filtrar o que há de bom nelas). É uma história simples com consequências complexas, com ensinamentos básicos e quase que fora de moda. É alternadamente alegre, melancólico, leve e devastador. É o tipo de filme que me faz querer ser uma pessoa melhor.
E no fim das contas, tanto Guerreiro quanto As Vantagens de ser Invisível são sobre traumas. Sobre (tentar) superar traumas. Ou, como diz um adulto para Charlie: "Não podemos escolher de onde viemos, mas podemos escolher para onde vamos".

sexta-feira, 13 de julho de 2012

Fiona Apple, o disco novo e a internet

The Idler Wheel..., o novo disco de Fiona Apple, viu a luz do dia sete anos após o álbum anterior da cantora, Extraordinary Machine. Sete anos é um bocado de tempo. Mas é um bocado ainda maior quando se leva em conta a internet - ou melhor ainda, as redes sociais.
Digo isso porque quando Extraordinary Machine foi lançado, ainda não existia essa avalanche de meios pelos quais as pessoas podem se expressar na internet. Não havia Twitter, não havia Tumblr, o Facebook era um recém-nascido. Extraordinary Machine foi antecipado por sites de música e cultura, e comentado entre amigos. Mas antes do lançamento desse The Idler Wheel..., a diferença de expectativa em relação ao disco anterior foi um choque para mim. De repente Fiona estava por todo lado, sendo citada por mil perfis de Facebook, "tumbleada" a torto e a direito. Tempos modernos. Tempos que podem ser sufocantes, às vezes. Por isso resolvi esperar até adquirir meu CD original para ouvir a nova obra-prima-maravilha-coisa-incrível da cantora (palavras usadas por toda a internet para descrever o disco).

E fico feliz - e aliviado - ao perceber que a internet não estava errada.

As inúmeras entrevistas que a cantora deu, as declarações bizarras, os mínimos detalhes compartilhados por ela em reportagens e matérias: tudo isso é realmente interessante, mas não seria nada se The Idler Wheel... não fosse um disco fascinante. E é. É uma obra que desafia as definições. É simples e sofisticado, singelo e nervoso. É menos elaborado musicalmente que seus discos anteriores, mas nunca soa como "um passo atrás". As baterias são quase que experimentos; poderiam ter saído de um disco da Björk. Nas mãos de produtores/artistas mais ambiciosos e menos confiantes, essas canções seriam esqueletos de canções. Para a atual Fiona, no entanto, basta uma bateria ritmada e algumas notas de piano: o resultado é devastador. Pegue "Regret", por exemplo, talvez o exemplo mais assustador da fúria da moça. Não falo apenas do verso sobre "mijo quente que sai da sua boca toda vez que você se dirige a mim". É cada nota de piano, apenas uma a cada dois ou três segundos, cada uma soando como o perigo chegando mais perto. Isso sem falar no brilhante jogo de palavras que ela endereça a um ex-namorado. "Você já era um expert em arrependimentos, mas eu não - ainda não".

De certa forma a produção de The Idler Wheel... é quase anti-Jon Brion, o responsável pelas obras-primas cheias de floreios presentes em When The Pawn..., de 1999. Mas Fiona de vez em quando olha para seu próprio passado musical. "Werewolf" é a irmã mais velha de "Love Ridden", também de 1999. Se no passado, porém, Fiona cantava somente a tristeza de não se poder ter mais um amor, aqui ela assume metade da culpa: "Eu poderia te associar a um tubarão pela maneira que você arrancou minha cabeça, mas eu estava acenando com uma ferida aberta". E então surge uma lição de serenidade, Fiona Apple style: "Podemos suportar um ao outro. Basta evitarmos um ao outro".

O maior atrativo de The Idler Wheel... talvez seja o modo como ele surpreende o ouvinte. "Valentine" começa e você ouve uma baladinha ok, triste, bonita, mas sem novidades musicais. Mas então chega o refrão e o ritmo muda - e quando Fiona canta "I root for you, I love you", em vez de soar fofa a cantora dobra de tamanho e fica assustadora. "You you you you": é uma declaração de amor ou de ódio? O mesmo vale para "Jonathan", a primeira canção de sua carreira com um nome incluso. Desde as primeiras notas de piano, o clima não é necessariamente pacífico. "Apenas tolere meu pequeno pulso contra seu peito de floresta". Eis o amor, pelos olhos de Fiona.

The Idler Wheel... encerra com "Hot Knife", talvez a canção que mais explicite a relação de Fiona com o jazz. Cantando num estilo que lembra "Too Darn Hot", de Cole Porter, a cantora é acompanhada a princípio somente por tambores que podem tanto ser de adoração ao deus da chuva quanto o anúncio da entrada de gladiadores na arena. Numa associação tão genial quanto simples - "Se eu sou manteiga, ele é uma faca quente" - Fiona mostra que continua numa esquina só sua, idiossincrática e fascinante. "Hot Knife" é um encerramento surpreendentemente sexual para um disco cheio de melancolia. É Fiona sendo Fiona: imprevisível.

domingo, 25 de março de 2012

Jogos Vorazes (The Hunger Games)



Quem me conhece sabe do meu apreço pelos livros da série Jogos Vorazes. Devorei os três no ano passado, quando eles ainda eram bem pouco falados no Brasil - e ao mesmo tempo ia tentando convencer todo mundo que conheço a lê-los também. O desafio maior era fazer com que as pessoas acreditassem que, ao contrário da publicidade idiota, os livros de Suzanne Collins não têm nada a ver com as bobagens vampirescas e lobisomísticas de Crepúsculo. Caramba, é um livro onde duas dúzias de adolescentes se matam de todas as formas possíveis!

Eu estava (literalmente) contando os dias para a estréia do filme. Dia 23 de março, dia 23 de março: a data estava marcada na minha cabeça. Quando o dia chegou, passei a manhã num estado de excitação que beirava a histeria. Foi o mais perto que já cheguei do frenesi adolescente por filmes baseados em séries de livros de sucesso. Mas grande parte da minha ansiedade era porque tudo indicava que o diretor Gary Ross parecia que tinha feito tudo certo: chamou Suzanne Collins para ajudar no roteiro. Escalou um elenco impecável, desde a protagonista Jennifer Lawrence até Donald Sutherland num papel bem pequeno nesta primeira parte da trilogia. O trailer me deixava marejado de emoção, só de ver aquele universo na tela.

Dizem que certeza absoluta não existe, mas digamos então que eu tinha 99% de certeza que Jogos Vorazes seria um filme incrível (ainda mais quando a crítica em peso adorou). Toda a minha expectativa e ansiedade foram justificadas: o diretor fez um filmão. Essa confiança antecipada no trabalho de Gary Ross me ajudou, pois foi fácil perdoar alguns pequenos deslizes. É muito pouco pra reclamar perto de tanta coisa sensacional.



A cena da foto acima é exemplar. Katniss (Jennifer Lawrence) acabou de ser a escolhida para participar dos Jogos Vorazes - onde 24 adolescentes começam e apenas um termina vivo. Nas mãos de um diretor menos respeitoso, e inteligente, a cena seria acompanhada de uma música dramática, querendo acentuar a tensão e a tristeza da situação. Mas Gary Ross filma tudo num silêncio acachapante. É muito mais devastador dessa forma: quando o nome de Katniss é anunciado, não é preciso nenhuma música para que a gente sinta o peso que cai sobre os ombros da garota. Junte essa escolha ao cenário fabuloso - que lembra uma cerimônia nazista - e o resultado é uma sequência memorável.

E o diretor surpreende ainda mais com as sequências na Capital, a terra do luxo, da riqueza e do desbunde. Ross tem um olho sensacional para o espetáculo. A câmera captura todo o absurdo de uma cidade que comemora loucamente o início de uma chacina. Os figurinos, incríveis/ridículos como no livro, trazem à mente as viagens de Laranja Mecânica. Os painéis que exibem os tributos (os adolescentes escolhidos) são um achado, acentuando a noção de "esporte" que a Capital dá aos Jogos. E quando os painéis multiplicam a imagem do apresentador Caesar Flickerman (Stanley Tucci numa atuação cativante, dinâmica e diabólica ao mesmo tempo), o efeito é perturbador: estamos diante de um American Idol do inferno.

O elenco secundário por si só renderia dez parágrafos. Merece destaque Elizabeth Banks, impecável na sua doce futilidade com os luxos da capital - sua Effie Trinket realmente nem arranha a profundidade que os Jogos possuem, mas ainda assim ela é adorável e cômica. E Donald Sutherland também merece mil elogios. O ator veterano é sábio o suficiente para não encher o presidente Snow (o grande vilão da trilogia) de caretas malvadas e olhares venenosos. Nesse primeiro filme, Sutherland interpreta Snow quase como um filósofo - e assim dá uma profundidade assustadora ao personagem.

Várias pessoas reclamaram do fato de as mortes no filme não serem tão perturbadoras/explícitas como no livro (só assim para o filme conseguir censura 13 anos nos Estados Unidos). Entendo o lado delas, mas não vou reclamar. E nem poderia, após a morte de um tributo dos mais queridos. Assim como no livro, é uma cena devastadora. E a reação que essa morte provoca me deixou em prantos. É a melhor cena do filme. Quando duas palavras apareceram na tela, descrevendo um local, provocaram em mim uma sensação que só o cinema consegue. É por momentos assim que eu amo ir ao cinema. Eu posso estar exagerando, mas eu sempre fui fã dos superlativos: com Jogos Vorazes, nasce um clássico.

quarta-feira, 21 de março de 2012

Shame



Tanta coisa já foi dita sobre o sexo e a nudez de Shame, e não tem como escapar de falar mais um pouco disso: sim, Michael Fassbender aparece nu várias vezes. Sim, ele é bem dotado, como disse Charlize Theron. Carey Mulligan também aparece como veio ao mundo. E as cenas de sexo são o oposto de excitantes: são clínicas, frias, longas e sem erotismo. Mas essa é a intenção. Se as cenas passam alguma coisa, é tristeza.

Não poderia ser diferente com Brandon (Michael Fassbender, incrível), um viciado em sexo. E como todo viciado, a palavra "prazer" não é a mais adequada para descrever o que ele sente. Ele transa (e se masturba frequentemente) para suprir uma necessidade incontrolável. E suas transas são totalmente desprovidas de sentimento. O seu apartamento, meticuloso e impecável como o de Patrick Bateman (o "psicopata americano" em si), é um reflexo perfeito do dono: lindo, arrumado, bem-cuidado, e com zero de calor.



É nesse contexto que surge a irmã de Brandon, a cantora Sissy (Carey Mulligan). Sissy é o oposto de Brandon, completamente necessitada de amor e carinho. A relação entre os dois é complicada e tensa. Em uma cena incrível, Brandon assiste Sissy cantar uma versão bastante lenta de "New York, New York". Brandon tenta parecer estóico, mas lágrimas rolam do seu rosto. Quando sua irmã se senta à mesa, ele disfarça, não deixando que ela veja a emoção dentro dele. Brandon é um enigma, e somente Sissy parecer conseguir penetrar um pouco a sua couraça impecável.

E o filme não responde nada. Há algo de incestuoso entre os dois? O que aconteceu no passado deles? O que significa o olhar de Brandon na última cena? O espectador é que responde tudo. Ou não - algumas pessoas saíram da sessão antes de o filme acabar. Eu, quando saí do cinema, não consegui deixar de me sentir desconfortável. E triste.

domingo, 4 de março de 2012

Drive



Drive é todo "style over substance", como dizem nos Estados Unidos. A substância, por assim dizer, já foi vista e contada em inúmeros filmes anteriores. Mas o estilo é tanto, e tão impactante, que valeria por dez filmes. A atmosfera do filme é tão "cool" que o espectador sai do cinema (que é onde o filme deve ser visto) encharcado de "coolness". A atmosfera do filme transborda da tela e inunda o espectador. Ele pode até sair andando de modo mais misterioso, quem sabe, como o personagem de Ryan Gosling.

O filme do diretor Nicolas Winding Refn é perfeito para a geração contemporânea, de Tumblr e Facebook: praticamente toda cena pode virar um GIF incrível, ou uma foto que vai render comentários elogiosos nas redes sociais. Drive, surpreendentemente, é o filme que melhor captura o zeitgeist atual. E isso é um mérito fantástico.

O elenco principal, escolhido a dedo, inclui um par de atores jovens lindos e competentíssimos, e que passam longe da atmosfera celebridades + paparazzis + festas: Gosling e Carey Mulligan. Temos dois coadjuvantes oriundos das séries de TV mais elogiadas do momento: Bryan Cranston (de Breaking Bad) e Christina Hendricks (de Mad Men). E temos Albert Brooks, que no melhor estilo Tarantino se desfaz de sua persona mais conhecida (no caso dele, a de comediante) e realiza um trabalho surpreendente. Sábias escolhas do diretor - que tinha consciência da necessidade de atores igualmente talentosos e carismáticos, cujo trabalho seria preencher personagens tão pouco aprofundados que podem, cada um, ser resumidos em poucas palavras: dublê taciturno de cenas de perseguição. Mãe bondosa cujo marido está preso (há uma expressão ainda melhor em inglês: damsel in distress). E por aí vai.



O talento do diretor Refn é inegável, em inúmeros aspectos. O som é um deles: poucas vezes no cinema recente o silêncio - e a trilha sonora - foram utilizados de forma tão eficiente. As cenas de tensão são construídas da forma como deveriam ser sempre: aos poucos, de forma lenta, até explodir numa violência explicitíssima que acaba parecendo plenamente justificada. Trememos com a fúria do filme.

É fácil entender por que Drive tornou-se tão adorado na internet. É perfeito, nesse sentido. Coitado do internauta que não gostar do filme! Corre o risco de, ao menos por um tempo, tornar-se um pária nas redes sociais.

Costumo dizer que há filmes que eu amo e filmes que eu admiro. Drive é um filme para ser admirado? Sem dúvida alguma. É um filme para ser amado? Honestamente, não sei. Preciso ver de novo, depois que a poeira (e o hype) baixarem. Às vezes a bagagem que acompanha um filme é tão grande que é preciso um tempo, uma distância, para que o filme fale por si só. Drive é assim.

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

O Artista (The Artist)



O Artista não é essa maravilha toda que estão dizendo por aí. Não falo isso só pra criar polêmica ou ser do contra. Fui ao cinema querendo amar o filme, e já amando a ideia de um filme mudo ser o favorito ao Oscar em pleno 2012. Ainda acho uma ideia sensacional. Pena que o roteiro de O Artista não tenha muita coisa a dizer.

O filme fala sobre um astro do cinema mudo que acaba trombando (literalmente) com uma fã afoita. A fã demonstra ter todos os requisitos para ser uma estrela - talento, beleza, carisma - e acaba mesmo virando uma estrela. No entanto, com o advento do cinema falado, a carreira dela sobe loucamente enquanto a dele chega ao fundo do poço. Basicamente, o filme é isso.

É um fiapo de história. O filme teria que ser cheio de charme (uma coisa Guilherme Arantes) para realmente ser sensacional. Infelizmente, o charme está quase todo concentrado na primeira parte, onde os dois artistas protagonizam cenas maravilhosas - como o baile de pernas. A partir da decadência do astro, o filme perde fôlego.



E se é para falar das dificuldades enfrentadas pelos astros do cinema mudo nesse momento da história, dois outros filmes falaram do assunto de modo muito melhor - Crepúsculo dos Deuses e Cantando na Chuva. Ok, provavelmente é injusto comparar um filme mudo com duas obras que utilizam diálogos/canções de forma fenomenal. Mas, para mim, O Artista ficou parecendo mais um experimento do que um grande filme. É um filme mudo feito para espectadores que nunca assistiram um filme mudo. Quase não há ousadias estéticas, o que é um pecado.

Mas é até estranho falar mal de um filme tão doce. Jean Dujardin e Bérénice Bejo estão espetaculares. E tem UGGIE! Uggie é o cachorro, e ele dispensa comentários. A trilha é ótima, fotografia idem. Mas melhor filme do ano? De forma alguma. Como diz um amigo meu, O Artista é fofolete ponto.

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Histórias Cruzadas (The Help)



Histórias Cruzadas é um filme cheio de problemas. O principal deles é a forçação de barra para fazer o espectador chorar em alguns momentos. Não tenho nada contra um bom melodrama, mas desde que a manipulação seja bem-feita (e isso pode acontecer tanto num filme super americano como Tomates Verdes Fritos quanto em Dançando no Escuro de Lars von Trier). Mas aqui, a coisa é feia em alguns momentos. O diretor Tate Taylor utiliza em dois momentos o recurso de "personagem-cheio-de-inocência-contra-uma-superfície-de-vidro", o olhar desamparado, as mãos naquela clássica pose de Titanic.

O outro grande problema do filme, na minha opinião, é a caracterização da vilã Hilly (Bryce Dallas Howard). Hilly é a racista-mor da cidade de Jackson, mas o filme exagera tanto na vilania dela que a deixa parecendo personagem de desenho animado. Ela é pior que Gargamel, Esqueleto e Diabolim juntos. É unidimensional até a medula, sem um pingo de complexidade. O filme chega ao ponto completamente infantil de colocar uma ferida na boca dela para explicitar a "decadência" da personagem (como se uma dona de casa rígida como Hilly se fosse permitir sair assim!)
A coitada da Bryce não tem muito o que fazer. Em uma cena, no entanto, ela consegue criar mágica com o material raso: no último confronto com Viola Davis, os olhos de Bryce simplesmente se apagam. Ficam opacos, como se já não houvesse vida na personagem. É um momento louvável.



Mas este também é um filme cheio de coisas boas, como figurinos lindos, fotografia, e algumas cenas realmente cômicas. Mas é o elenco que joga a obra lá no alto, provocando momentos que grudam na memória. Se a adorável Emma Stone não tem muito o que fazer - ela é o espectador, e em boa parte do tempo apenas assiste ou reage aos acontecimentos -, o trio de mulheres indicadas ao Oscar é mesmo um assombro.

Octavia Spencer comanda a ação com seus olhos esbugalhados e lábios retos, quase sempre num muxoxo de pouco caso. É meio que o alívio cômico da história, mas acreditamos nela nos momentos dramáticos também. A maior parte do drama, no entanto, está mesmo nas mãos (e olhos, e todo o resto) mais que capazes de Viola Davis. A atriz enche sua Aibileen de calor. Quando ela precisa ficar impassível, em frente aos patrões, ela é impecável. Por pequenos detalhes sabemos o que ela pensa. E quando ela tem a chance de falar, sai de baixo. Deus me livre se o Oscar não for de Viola.

Mas confesso que meu coração foi arrebatado pela mais que adorável Celia, interpretada por Jessica Chastain. Celia é toda boa vontade e toda otimismo, sempre querendo fazer o bem, mesmo que às vezes não saiba como. Muito provavelmente uma mulher como ela simplesmente não existiria na época em que o filme se passa. Mas essa é uma obra de ficção, e Jessica faz de Celia a personagem mais adorável do cinema desde Amy Adams em Retratos de Família. Em determinado momento, Aibileen diz: "Devemos perdoar nossos inimigos". Celia vai além: ela simplesmente não consegue ver inimigos. Utópica, claro, mas nem por isso menos incrível.