quinta-feira, 7 de agosto de 2008

Encarnação do Demônio (2008)



Não sou especialista em Zé do Caixão. Longe disso. Antes de ver este Encarnação do Demônio, só tinha assistido a um filme dele, a coletânea de três curtas O estranho mundo de Zé do Caixão. A impressão que tinha ficado pra mim era a de que, mesmo com todas as limitações - baixo orçamento, atores amadores (no mínimo) e uma parte técnica no geral tosca -, o cineasta José Mojica Marins gostava profundamente do gênero terror. Gostava do que o terror provoca, de como ele é o gênero mais visceral que existe - e, por isso mesmo, as vísceras deviam ser expostas, atacadas, de uma forma que provocasse também a mente. Isso é muito evidente no terceiro conto do filme, protagonizado pelo próprio Mojica.

Encarnação do Demônio é José Mojica Marins com um orçamento decente, após 40 anos de tentativas frustradas de terminar a trilogia iniciada por À meia-noite levarei sua alma e seguida por Esta noite encarnarei no teu cadáver. Desde o início da película, o que mais me surpreendeu foi como o Zé do Caixão popularesco, aquele velho de unhas gigantes, apresentador do Cine Trash, rodeado de "pombas-giras" de maiô vermelho, é uma figura pop e quase cartunesca, passando longe do Zé do Caixão dos filmes. O Zé dos filmes é sádico, esperto, muito mais interessante que os policiais que o perseguem. E também assustador.

Em uma entrevista anterior ao lançamento do filme, Mojica disse que seu filme não tinha "nada a dever a Jogos Mortais". E Seu Mojica está certíssimo. Enquanto a série de Hollywood virou apenas uma bobagem do tipo mostrar-a-morte-mais-grotesca-possível, numa embalagem editadíssima e com imagem cuidadosamente suja, o filme do diretor brasileiro é quase barroco em sua realização. É muito mais orgânico, e por isso mais impressionante. A platéia pode rir de alguns palavrões, dos discursos do Zé do Caixão, até de algumas atuações (que não são tão ruins assim), mas quando começam a aparecer as torturas na tela, o silêncio e o respeito imperam. Na sessão que eu fui, a platéia bateu palmas ao final da primeira sequência de tortura. Tudo bem que era uma pré-estréia e o próprio Mojica estava presente, mas foi emocionante e divertido.

Talvez o segredo seja a parcimônia com que os efeitos especiais são usados. Em várias sequências, Mojica simplesmente filma a "realidade", por assim dizer - tenho certeza que várias das cenas mais absurdas, como um homem sendo suspenso por ganchos ou uma mulher que tem a cara enfiada num tonel de baratas - aconteceram de verdade. Muito mais impressionante que efeitos especiais, por melhores que sejam. E ainda tem as falas sensacionais, que já entraram pra história. Como quando o Zé diz: "Matei suas tias. O que você vai fazer?". E a sobrinha responde, lasciva: "Serei sua". MARAVILHOSO!