quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Melancolia (Melancholia)



Melancolia e Cisne Negro foram os únicos filmes que vi duas vezes no cinema este ano, até agora. Cisne Negro é bastante compreensível: é um filme tão cheio de detalhes, tão feérico e dinâmico, que certas coisas são mesmo captadas apenas quando visto de novo. E é filme pra ser visto na tela grande, sem sombra de dúvida. Melancolia é outra história. Não achei que fosse ver de novo na tela grande. Mas vi uma vez, os dias foram passando, e continuei pensando no filme - e percebi que a nova empreitada do Lars von Trier tem algo de hipnotizante. Ao menos pra mim.

Pode-se dizer que este é o filme mais leve do diretor. Dá até vontade de rir ao dizer isso, mas é! Está ausente aquela mão de ferro dinamarquesa, aquela manipulação certeira de sentimentos que ele costuma fazer. Talvez por isso o filme não tenha provocado tantas reações apaixonadas como um Dogville (ou mesmo como um Anticristo, sei lá). Mas me agradou ver que von Trier deixou um pouco os dramas pesados de lado, e deu um descanso na sua mania de fazer as mulheres comerem o pão que o dinamarquês amassou.

Claro, a Justine de Kirsten Dunst sofre um bocado. Mas não é pela mão dos outros. Justine sofre de depressão crônica. Ela simplesmente não tem a capacidade de ser feliz. O início do filme promete outra coisa: ela está feliz ao lado do noivo, rindo de qualquer acontecimento, os fofíssimos dentes de Kirsten Dunst enchendo a tela. Mas à medida que a cerimônia de casamento vai seguindo, fica claro que Justine não consegue ser feliz. "Eu sorrio, e sorrio, e sorrio", ela diz para a irmã Claire (Charlotte Gainsbourg). Mas não adianta. É tudo fachada. Nem um noivo nórdico como Alexander Skarsgård, nem uma festa de arromba vão dizimar a tristeza infinita dentro de Justine. E ela vai cedendo aos poucos. O vestido, o sorriso, a maquiagem, tudo vai se desfazendo, assim como a festa.



Ah! E tem o planeta Melancholia. Que vai passar pela Terra e 1) proporcionar uma visão maravilhosa pra os humanos ou 2) arrasar com a vida no planeta, dependendo de quem você perguntar. "Life on Earth is evil", diz Justine. Ela está quase feliz com a possibilidade de a Terra acabar. Claire não. Claire é pura ansiedade e desespero.

Fica claro que von Trier compartilha muito mais a visão de Justine do que a de Claire. Eu já disse antes, e esse não é um pensamento só meu: tenho a impressão de que o diretor odeia a raça humana. Ou, se não odeia, considera a maldade inerente ao ser humano (vide Dogville, talvez o melhor filme já feito sobre o assunto). Pois surpresa! Pela primeira vez na carreira, o dinamarquês parece demonstrar alguma simpatia com seus colegas terrestres. Ele não transforma Claire em uma coitada. Ele sente pena dela. Ele parece realmente sentir ao menos uma melancolia (sem trocadilhos) quando aborda o fim do mundo. É o mais perto que ele já chegou de abraçar o espectador. Peraí: sair confortado de um filme de Lars von Trier? É por aí.



Melancolia tem um dos nomes mais apropriados dos últimos tempos. Não quer destruir o espectador. Quer mostrar que até mesmo o fim pode ser sereno, e belo. Os cinco minutos iniciais, com várias cenas do fim do mundo, são a coisa mais bonita que von Trier já filmou. O que não muda no cinema do diretor é a capacidade de extrair atuações brilhantes de suas atrizes. Kirsten Dunst é uma maravilha de sutilezas, mudanças sutis. O olhar da atriz diz tudo em vários momentos. Pode estar brilhante no início da festa, e cheio de amargura no meio da história. Já na primeira cena, quando seu rosto triste enche a tela, o impacto está garantido. É uma atuação poderosa, a melhor de uma carreira (e me fazendo pagar língua, já que eu tinha dito o mesmo sobre Maria Antonieta).

Talvez no futuro as pessoas se refiram a Melancolia como um "filme menor" do diretor - por não ser o soco no estômago que vários outros filmes dele são. Pra mim, está entre suas melhores obras. É fascinante. Nunca o fim do mundo foi tão bonito de se ver.

Um comentário:

Anônimo disse...

excelente texto como sempre. que venha Ninfomania!